24 de dez. de 2012

Carruagem Invisível


“Meus sonhos me levam para lugares de fantasias, me enchem de coragem para enfrentar os obstáculos da vida.”
  
   À noite numa floresta, passos ecoavam em meio à solidão. O barulho assustador fazia com que os pássaros voassem para um local mais tranquilo. Folhas amareladas aos poucos caiam com o forte vento. E os passos continuavam cada vez mais fortes, procurando encontrar algo que não se pode ver. Não se pode ouvir, muito menos sentir.
   Depois de algum tempo, andando por entre as árvores escuras, que pareciam esconder o grande tesouro da floresta. César Augusto, Anita Tollynni e Fernando Andrade encontraram um círculo de campo aberto. Anita estava esgotada. Suor atingia-lhe o rosto. Não sabia mais o que procurava, só sabia que devia continuar andando. Seu desejo corroía a sua alma, aos poucos sua razão aparecia para lhe ensinar algumas lições, porém seus passos automáticos mostravam que sua decisão já estava tomada, seu corpo apenas correspondia ao seu desejo. Mesmo com dor, devia continuar. Só os fortes conseguiam alcançar os seus sonhos.
   A lua atingia o seu esplendor. César sabia que desde o começo sua família o comparava como um grande imperador. Em seus ombros, carregava grandes responsabilidades. Queria vencer o mundo, sabia que para alcançar esse objetivo, dinheiro era essencial. Porém, após descobrir o segredo da floresta, nada parecia importar. As expectativas da sua família viviam em segundo plano. Dinheiro não era mais uma preocupação, agora tinha obstáculos muito maiores para enfrentar. Lua e sol pareciam meros coadjuvantes naquele cenário. Logo o papel principal ficaria encarregado de deixar os leitores cheios de expectativas, que no final deveriam ser aplaudidas ou vaiadas.
   O silêncio instalou-se no local. Fernando Andrade vivia com medo, desde criança, o que mais queria era estabilidade. A noite sempre rezava para que seu mundo nunca desmoronasse em meio aos seus pés. Nada podia ser mais frustrante do que enfrentar aquilo que não se podia ver. Só de pensar na possibilidade de ocorrer algo que não estava em seus planos causava-lhe um nó no estômago difícil de suportar. Mas, mesmo assim, estava ali. Procurando uma grande aventura com recompensas assustadoramente positivas.
   Os três compartilhavam o calor da juventude. Tinham dezoito outonos completados e sonhos que nunca desapareciam de suas lembranças, muito menos de seus corações.
   - É melhor esperarmos até amanhã para continuar nossa empreitada- disse César com seus olhos escuros como ônix. Desde que se conheceram ele sempre gostava de tomar as decisões mais importantes do grupo. Como seus pais diziam, seu nascer em agosto ajudou-o a ter no sangue espírito de liderança. Muitos na escola o chamavam de quatorze, uma brincadeira referente ao rei Luís XIV que era considerado o Rei Sol e líder do absolutismo na Europa.
   - Não sei. O Cavaleiro dos Planetas nos disse que encontraríamos a carruagem durante a noite. Precisamos encontrá-la o mais rápido possível, novas pessoas podem estar sendo acionadas para essa missão, não podemos fracassar- disse Fernando, cheio de ousadia. Parecia que era a primeira vez que contrariava um líder nato. Suas palavras pareciam cheias de razão, porém atrás da cortina do seu grande espetáculo de coragem, os expectadores ainda podiam sentir o cheiro do medo espalhado pelo local. Com dor nas costas, ele mudou a sua mochila das costas e colocou na parte da frente. Os três levavam mochilas com alimentos, produtos de higiene e objetos que poderiam servir de ajuda para necessidades extremas.
   -O que você acha?- perguntou César. Os dois se viraram para Anita esperando alguma resposta.
    - Acho que Fernando esta certo- Ela sabia que suas decisões deviam ser realizadas através de grandes raciocínios. No fundo ela sabia que dos três ela era a mais fraca, e por isso devia usar suas únicas fontes de poder para garantir frutos que no futuro poderiam ser utilizados para a sua vitória. César se achava o mais forte, não poderia aumentar ainda mais a sua autoridade, seria muito mais fácil confrontar Fernando quando fosse necessário, já César, devia tomar grande cuidado com suas ordens se ela quisesse encontrar a Carruagem Invisível junto com eles, ou antes, deles. Para ter certeza de que nenhum dos dois a deixaria para trás.
   Os passos continuaram a fazer barulho. Os três aventureiros voltaram a percorrer caminhos por entre as árvores. Agora elas pareciam grandes amigas, já estavam acostumados com o seu cheiro. O vento no rosto refrescava o calor que cada um sentia devido aos grandes esforços físicos que enfrentavam.
   Passos e mais passos. Arvores a mais árvores. Pensamentos e pensamentos. Aquela aventura não parecia ter fim, estavam muito próximos de duvidar de suas certezas e cair sobre o abismo das incertezas. Vivendo num mundo cheio de mentiras e cheio de verdades era difícil confiar no certo ou no errado. E cada passo mostrava mais coragem, cada passo mostrava mais fé. Só os fortes sobreviviam. Seus pensamentos eram suas piores fraquezas. Cada um via em seu reflexo o pior inimigo. E mesmo assim, eles acreditavam, porque o mundo é feito de pessoas que acreditam. Que observam uma rosa no asfalto e apreciam todo aquele esplendor, que observam a chuva pegar fogo ou o sol se apagar. Sem sair da realidade, desencadeando mundos e mundos de pequenas, médias e grandes verdades. Sem fantasia, a realidade seria pó. Cada um cria suas próprias fronteiras de imaginação em sua mente, para alguns não existe fronteiras, para outros falta imaginação. Alguns vivem molhados na fonte, outros secos de verdades com razão.
   Fernando sentou-se e falou:
   -Não aguento mais, preciso descansar- Seus olhos azuis, seu cabelo curto castanho-escuro mostravam cansaço. Contudo, sua mente mostrava razão.
   -Concordo com Fernando, precisamos descansar- continuou Anita cheia de autoridade. Seus cabelos dourados e encaracolados cobriam os ombros, sua pele macia e seus olhos cor de mel entravam em contraste com sua forte personalidade. Por fora parecia doce, uma donzela, por dentro era forte e guerreira.
   -Muito bem- riu César- Estou do lado de pessoas que vivem mudando de opinião. As decisões não parecem fazer o menor sentido. Porém, como humilde amigo, vou acatar aos seus pedidos. Vamos parar por hoje.
  -Se vocês quiserem eu posso ficar acordado, de vigia- disse Fernando com palavras vazias que por dentro queriam ter coragem.
  -Pode ser- concordou Anita, que se sentia a dona da situação.
  César não disse nada. Apenas deitou no chão próximo de uma árvore, colocou a mochila de lado e ficou ali encarregado de silêncio.
  Anita esticou os braços, tirou a mochila das costas e deitou próxima a outra árvore.
Quero vencer. Estou tão perto. Mas ao mesmo tempo estou tão cansada. Amanhã tenho que conseguir encontrar a carruagem. Custe o que custar.
   Os três lembravam-se bem do dia em que o Cavaleiro dos Planetas os visitou e explicou uma missão que trazia recompensas fantásticas.
   - A carruagem invisível pode ser encontrada quando a lua alcançar o auge do céu. Quem encontrá-la poderá utilizar de seus segredos, poderá encontrar seus sonhos escondidos no meio das galáxias, sumir pelo mundo ou encontrar o caminho do céu e o riacho do amor. Seus segredos estão escondidos na Floresta Sem dono, perdida durante anos. E só alguns poderão enxergá-la, porque nem todas as pessoas possuem magia no coração.
    E lá estava Fernando, a cinquenta metros da carruagem invisível. Ele havia pedido para descansarem só para encontrar a carruagem invisível enquanto estivesse dormindo. Ela reluzia prateada no meio da floresta, linda e antiga. Cavalos alados comiam grama e pareciam sorrir. Seu mundo estava perto de se tornar fantasia, queria desfrutar de todos os sentimentos bons invisível, ficaria escondido da sociedade e poderia realizar todos os mistérios despertados por suas ideias dotadas de grandes histórias com final feliz e muita realidade.
    Ficou ali aguardando. A glória estava tão perto. Não podia deixar a vitória escorregar pelas suas mãos. Por isso certificou-se de que seus colegas estavam dormindo e começou a caminhar em direção a carruagem. Seus olhos azuis pareciam refletir o brilho das estrelas do céu. Seu rosto parecia se iluminar, um largo sorriso queria despertar de seus lábios. Quanto mais perto chegava, via que a carruagem era imensa, sua porta tinha estrelas e planetas expostos em harmonia. Fernando olhou mais uma vez para trás e chegou à conclusão de que a glória seria alcançada. Desde o começo gostaria de vencer sozinho. Queria desfrutar de todos os limites. Queria compreensão, não era mais aquele garoto medroso que ficava com medo do irreal.
    Suas mãos já podiam alcançar os cavalos alados. A Carruagem invisível, eu consegui. Eu consegui. Sem saber como, a porta da carruagem se abriu. Fernando ficou com os olhos esbugalhados, não sabia como reagir, viu ela por dentro e foi surpreendido. De repente, a escuridão atingiu o local, e seu mundo caiu na invisibilidade.
   
   Anita acordou com o vento beijando-lhe a face. Sua frieza a assustou, logo ela olhou para os lados e descobriu que estava só. Não havia nenhum sinal de César ou de Fernando para confortar os seus pensamentos.
   A jovem correu para os lados, gritando o nome dos rapazes em vão. Seu sonho já não existia mais. Seus joelhos encontraram a terra fria e suas lágrimas percorreram seu belo rosto.
   Aos poucos ela começou a correr, deixando a mochila para trás. Ainda tenho tempo, preciso vencer. Passo a passo, suas pernas já estavam cansadas de tanto andar. De repente ela percebeu que a terra estava banhada de sangue. Seus passos pisavam no líquido vermelho com cada vez mais força. As árvores estavam assustadoramente escuras, o sangue começava a aumentar. O líquido já chegava aos seus joelhos. Um grito ficou preso em sua garganta.
   Morreria afogada pela essência da vida. As árvores pareciam sorrir. Seu aspecto sombrio lhe causava medo. Anita segurou em um galho de uma árvore e começou a escalá-la até o topo. Lá ficou observando o sangue aumentar, olhava para os lados e se sentia cercada.
   O líquido já alcançava o seu quadril. Ficou olhando para aquela vermelhidão e ficou vislumbrada com o seu aspecto, o líquido iluminava a sua beleza. Nunca havia se sentido tão bela, com espada e escudo em mãos. Sabia que não era mais donzela. Deixou-se levar pela sua aparência, e lentamente foi afundando num poço de decepção.
  
   César estava estonteante. Sua capa dourada, suas botas de couro, seu cetro banhado a diamante. Todos se ajoelhavam aos seus pés. Deixem o rei passar, aqui esta o mestre de todos vocês. Sou o dono do fogo e do gelo, minha alma revestida de poder, o mundo obedece as minhas ordens como lei. César se achava o dono do mundo. Gostava de ver as pessoas se humilharem perante a sua presença. Poderia vangloriar ou destruir qualquer um de seus súditos.
   Na praça central, ele tirou a coroa da mão de seu filho. Ele próprio se declararia rei. Com os olhos vermelhos de poder, César se auto proclamou rei. Todos na praça o aplaudiam, seria o símbolo do poder centralizado.
   Depois de acenar para todos, César foi direto para a sala do trono. Queria desfrutar logo de todas as suas regalias. Na sala do trono havia vários de seus servos mais fiéis. César continuou a sua caminhada, quando sentiu uma pontada no estômago, um de seus servos lhe esfaqueara. Não posso perder, não posso perder justo agora. Com esperança, César continuou a sua caminhada em direção ao trono, só faltavam alguns passos. E recebeu mais uma facada, mais uma, mais uma. Estou tão próximo. As duas últimas facadas foram fatais. César viu seus pais o esfaquearem friamente. Não chegarei até o trono.
   Antes de ser coberto pelo véu da desilusão, César disse:
   -Até vocês.
  E seu corpo cedeu à gravidade.
 
  Fernando estava entusiasmado com a beleza da carruagem. Seus bancos eram macios, revestidos de cor prata. A Floresta Sem Dono de repente sumiu aos seus olhos. Voavam pelo céu azul escuro.
  Soube que não tinha medo de altura.
  Desde criança sonhava com o mundo aos seus pés. Queria conhecer os segredos que envolvem o céu e a Terra. A imortalidade era cobiçada como um troféu. Seria tudo e nada. Alguém e ninguém até o final do universo. O dono do mundo. Vislumbrando as estrelas e as nuvens perto de seus olhos. A Carruagem Invisível o levava até os sonhos mais imaculados.
   Os Cavalos Alados pararam próximos a uma cachoeira em meio ao céu. Fernando podia apreciar o céu em cor alaranjada com o nascer do sol. O vento acariciou o seu rosto com leveza, a magnífica natureza atraiu o seu olhar. Desceu da carruagem nu, foi encoberto pelas nuvens que traziam água pura. Parecia uma piscina, com toda aquela cascata caindo do alto de uma colina verde esmeralda. As cores triunfavam pela sua visão. Nunca havia visto uma paisagem tão bela.
   Mergulhou naquela águas encantadas. Saboreando sua vitória. Foi acompanhado por sereias e golfinhos. Cada vez mais profundo. Não escutava mais sons de passos. Apenas pensava em nadar silenciosamente pelo mundo. As pessoas da Terra não faziam mais parte de sua vida. Uma fumaça branca rodopiou pelo seu corpo afundado nas águas. Aquilo cheirava a magia.
   O riacho do amor era puro e imortal. Fernando sentia alegria ao aproveitar tudo aquilo. Aquele aspecto sobrenatural lendário o divertiu durante semanas. Até o momento em que começou a sentir falta de uma pessoa.
   Aquela cachoeira não parecia descarregar águas tão limpas, os golfinhos não conseguiam falar, nem as sereias conseguiam lhe seduzir. Queria alguém com quem pudesse compartilhar toda aquela alegria. Tivera a oportunidade de ser feliz para sempre, nas costas do Universo. Porém, tudo foi despejado quando sua ambição falou mais alto dentro do seu coração.
   Não quero mais ficar aqui. Não vou aguentar viver sozinho meus sonhos. O que são os sonhos se eu não posso mostrá-los para as pessoas? Sonhos que pareciam ter virado pó com o tempo. Nada mais importava. Um sorriso de alguém. Um abraço carinhoso, um beijo sincero. Qualquer coisa poderia ser melhor. Porque duas pessoas se completam. Talvez isso seja o amor. Talvez isso seja amar.
    Fernando voltou para a Carruagem Invisível observando o céu azul claro. Viajou por várias paisagens deslumbrantes pelo Universo. Conheceu planetas novos. Mas não havia mais ninguém com que pudesse conversar. Às vezes começava a conversar sozinho. Tinha medo de esquecer-se das palavras, de esquecer o sentimento humano. Sua vida estava condenada a admirar o céu. E lá ficava Fernando, a cada dia sentado em uma nuvem, procurando entender sua morte.
   Um dia era azul, outro cinza, algumas vezes ficava laranja. A vida também era assim, ás vezes ele sorria, ás vezes ele chorava, mas continuava a apreciá-la. Até o dia em que ele vivesse somente para não morrer. E a partir desse dia sua vida seria feita de amargura, como a que vivia hoje.
   Fernando gostaria de apagar o céu e terminar o mundo.
   Contudo, mais uma vez seu egoísmo falaria mais alto.
    Ele virou seu olhar para o lado e viu a Carruagem Invisível prateada reluzir no meio das nuvens. Estava sem medo.
   Um sorriso despertou pelos seus lábios.
   Viajaria mais uma vez pelos sonhos, sem aproveitá-los!

18 de dez. de 2012

Assassino da Mente


   Minhas mãos manchadas de sangue não conseguiam alcançar o poderoso sol. Pensamentos destruidores passavam pela minha mente. Queria desesperadamente acabar com todo aquele sofrimento, porém tudo o que eu via era o vazio rolando pela estrela cadente.
   Andei pelo jardim tentando entender as flores que bebiam a escuridão escondida no céu.       Queria me afastar do belo. Fiquei ali, contemplando elas murcharem com o tempo, igual aquele corpo que jazia no tapete voador.
   Com os dedos encontrando meus lábios vagarosamente, fiquei com medo de todas aquelas coisas que pareciam existir. Era tanta vida que por incrível que pareça fiquei com medo de me sentir sozinho. Se pudesse, mataria todos com minhas próprias mãos e jogaria todo o sangue no mar, cortaria suas cabeças e lhe entregaria aos corvos para lhes alimentar.
   Louco. Sou completamente louco. Voltei para casa, longe daqueles pensamentos revoltantes que pareciam me amedrontar. Fui para o quarto, me cobri com o universo e tentei dormir em cima da nevasca. Água saia por debaixo da porta, tentei nadar por um mundo que não existia.         Eu sabia, estava completamente só. Acordei assustado. Os anjos do céu não me deixavam dormir. Sabia que tudo que eu pensava era pecado, por isso fui para a cova me esconder. Não havia mais palavras belas para simplificar toda essa história, muito menos razão. Fiquei louco, louco de pedra tentando entender porque aquele corpo antes tão alegre, agora estava imóvel voando pelo céu que parecia derreter.
   Lá na cova me encontrei com as baratas e com desenhos na escuridão. Fiquei ali, rezando por uma luz. Contudo, o que veio foi chuva, alguém queria me enterrar. Agora eu tinha certeza.   Eu podia sentir meus olhos se fechando pela última vez, com a gargalhada de meu inimigo ecoando nos meus ouvidos após meu triste fim.
   Ninguém precisava dançar para me dizer que eu estava correndo risco. Logo, sai da cova e voltei para o jardim que estava coberto de flores podres. As cores sumiram, o belo foi embora para sempre daquela vida sem sentindo. Sempre e nunca, palavras tão fortes que resolvi marcá-las com fogo em meu próprio corpo.
   Sempre estaria vivo para sentir medo, para sentir dor. Estava carregando o manto da tristeza do infinito e por diversas vezes choraria por um amor.
Nunca mais voltaria a olhar para os olhos das pessoas tão cheios de certezas Queria apenas beijar seus lábios e derrotá-las no jogo dos sentimentos das proezas.
   Sempre diria nunca para acalmar meu coração.
   Nunca diria sempre para confortar minha emoção.
   E mesmo perdido entre o sempre e o nunca. Eu sabia que para sempre minhas mãos ficariam manchadas, porque um dia eu acabei com a vida, acabei com o belo. Seria julgado e condenado ao inferno. Cheguei à conclusão de que era mal. Ajoelhado no jardim, as pétalas encostavam-se a meus joelhos, o céu estava claro como uma folha de papel em branco.
  Queria gritar, queria dizer nunca e sempre, pelo menos pela última vez. Alguém me seguia, eu sentia, a morte se aproximava. O sangue começava a escorrer pela minha cabeça, uma faca atingiu o meu coração. Encostei meu rosto nas pétalas, fiquei ali sozinho, escutando a gargalhada, tentando dormir!

3 de dez. de 2012

Tic Tac

  Tocando piano, na sala de música, me esforçava ao máximo não parecer patético perante os meus espectadores. Com melodias doces e serenas, esperava encontrar uma feiticeira que encantasse meu mundo obscuro e trouxesse cor a uma alma sem rumo. Enquanto esse momento não chegava, continuei a manusear minha bela canção, até os meus dedos se cansarem e o barulho dos aplausos destruir o pequeno silêncio instaurado com o término das melodias.
  Após o espetáculo, conversei com alguns admiradores do meu trabalho, contudo as conversas não poderiam ser mais entediantes, eles só sabiam se enaltecer por seus bons gostos e suas riquezas. Nada disso me interessava. Estava cansado de encontrar professores arrogantes sobre a vida, preferia muito mais conversar com os alunos que gostavam de compartilhar as suas experiências, e chegar a uma conclusão frágil como cristal sobre a misteriosa existência.
  Não sei por que tantas certezas, já que nossa única certeza é a vinda da prisioneira morte ao nosso encontro, para nos forçar um último beijo.
   Aqueles cavalos brancos e príncipes guerreiros pareciam estar muito longe do castelo do vilão da nossa história, o cruel dono do tempo.
    Nosso exército parecia estar cada vez mais desunido com o avanço da tecnologia. Não havia nenhum grande herói para nos defender, o mundo aos poucos mergulhava na poção do caos e a luz no fim do túnel não passava de uma grande ilusão.
   No final do corredor deparei-me com um relógio. Ele fazia tic-tac incessantemente. Queria poder mudar os ponteiros do relógio, queria poder voltar no tempo. Tentei destruir o vilão com minhas próprias mãos, porém aquele tempo já não existia mais.

28 de nov. de 2012

Pisando no céu


 Com os pés nas nuvens, pisando em um chão dotado de incertezas, fico com medo de cair em cacos de vidro e ser enfeitiçado por anjos disfarçados de sereias.
  Rastejando pela Terra, procurando diferenciar o certo do errado, fico decepcionado com a falta de cores pulsantes que tomam conta das ruas vazias e frias.
  Correndo pelo inferno, procurando esconder minhas preocupações, uma chama envolve meu corpo nu dotado de perturbações.
  Anjos, demônios e homens tentam destruir minha identidade. Assustado, olho para o meu reflexo no lago, porém só encontro uma sombra borrada. Com meus braços envolvendo meu corpo, tento fugir dessa constante briga entre o certo e o errado. Tento fazer diferente dos conceitos elaborados pela tradição. Tento fazer o que eu acho certo, tento ter minhas próprias opiniões. Resumindo, tento ser eu.

PS: Gostaria de agradecer a todos os leitores do blog, nesse mês cheguei a 3000 visualizações. Espero conseguir com minhas histórias uma maior reflexão sobra a vida e divertir todos com palavras mágicas que buscam alcançar cada vez mais a perfeição.

20 de nov. de 2012

Don Juan


Funchal, Ilha da Madeira, 1983.

    Jonathan Salles sabia muito bem que as portuguesas adoravam homens barbudos 
cheios de um charme especial. Contudo, Jonathan não sabia o que era amar. Apreciar mulheres bonitas passando na rua, beijar mulheres e despertar desejos, brigar com a sedução corpo a corpo, nada disso pode ser comparado com o significado puro do amor.
   Amor, palavra tão nobre, tão forte que muitas pessoas não conseguem entender seu significado. Posso ficar minutos, horas, dias, meses, anos, uma vida inteira sem conseguir explicar em palavras o que é o amor. Talvez, se eu fosse mais gentil, talvez se eu fosse mais altruísta, se eu fosse o que não sou talvez entrasse para o remoto time do mundo que encontra no coração a verdadeira beleza, que faz da face apenas um instrumento de carinho, e não a comemoração de um troféu.
   Num dia chuvoso na capital da Ilha da Madeira, Jonathan caminhava pela Rua dos Santos, carregando a sua mala de trabalho e voltando para casa com a maior animação por ter cumprido mais um dever pra sociedade. Chegando a casa, Jonathan recebeu a visita do seu amigo Marinho, era sexta-feira e Marinho estava louco para sair e curtir os gostos da vida.
 -Vamos para o Don Juan, Jonathan. Tenho certeza que vamos nos divertir- disse ele, depois de perceber que o amigo não estava nem um pouco interessado, colocando um pouco de vinho tinto em dois cálices na mesa, ele insistiu para tentar animá-lo- Somos dois adultos solteiros, prometo que não vamos ficar muito tempo.
- Suas promessas nunca valeram muito- disse Jonathan aos risos- Gostaria de descobrir quando você esta realmente falando a verdade, também gostaria de saber a verdade nos momentos em que garotas disseram que me amavam, porém eram palavras vazias, sem magia tampouco bondade.
- Pode acreditar em mim, caro amigo- disse ele com as mãos juntas, parecendo que estava fazendo uma reza- Preciso de sua companhia, preciso ir para o Don Juan e satisfazer minhas vontades de homem, nós dois precisamos, você sabe muito bem do que eu estou falando...
Depois de colocar um copo de vinho na mesa para os dois, Jonathan ficou pensativo, olhando para a janela da sala, ficava admirado com a beleza da chuva que despertava tranquilidade na alma das pessoas.
-Ok, você me convenceu. Só espero não me arrepender dessa decisão.
 Vinte minutos depois os dois amigos saíram pela noite chuvosa, pegaram um táxi próximo à praça central e foram para o Don Juan, que ficava nas redondezas da capital da Ilha.
 Sem conversarem, os dois amigos ficaram a maior parte do tempo imaginando as inúmeras possibilidades sobre o futuro que os aguardava no Don Juan. Não era a primeira vez que os dois frequentavam esse tipo de lugar, e provavelmente não seria a última. Porém, cada vez que eles estavam a caminho do Don Juan, uma nova perspectiva sobre um acontecimento novo levava medo e excitação para o coração dos jovens adultos.
Quando o táxi parou em frente a um corredor que terminava numa porta com luzes vermelhas, Jonathan e Marinho sabiam que estavam muito próximos de acontecimentos que levariam num primeiro momento a puro prazer, e em um segundo momento, a uma grande decepção.
- Não sei mais se quero entrar- disse Jonathan.
- Você não pode me abandonar agora- disse Marinho- Pela nossa amizade, é a última vez que eu te peço isso, ninguém ficará sabendo, eu prometo!
Jonathan percebeu que Marinho estava desesperado para entrar no local, além de ter feito mais uma promessa em que o futuro ficaria encarregado de quebrar, suas mãos tremiam de desejo só de pensar naquelas curvas e naqueles beijos.
-Boa aventura pra vocês- disse o motorista do táxi- Ouvi dizer que os donos desse local quase nunca aparecem, deve ser horrível bancar tanta imundice no mundo, somente para ganhar dinheiro.
Os dois saíram do carro e caminharam lentamente até a porta vermelha coberta de sedução, com luzes vermelhas que chamavam a atenção de qualquer pessoa que passasse pelas redondezas naquela hora.
Assim que Jonathan abriu a porta, uma leve música tocou os seus ouvidos, os dois amigos entraram no local, e seus olhos visualizavam todo aquele jogo de prazer ilustrado naquelas garotas dançando seminuas, naquelas bundas que rebolavam em frente aos homens, naquele batom vermelho de paixão, naquelas calcinhas pretas cheias de segredos impuros. Marinho logo foi de encontro a três garotas que estavam sentadas num sofá azul com as pernas cruzadas, uma delas tinha os seios à mostra, já as outras duas não tinham a parte de baixo, estavam nuas se não fosse pela blusa que cobria os seios.
Outras garotas jogavam baralho, e a cada perda tiravam uma peça de roupa, outras beijavam as companheiras como uma forma de seduzir os clientes. O cômodo terminava com uma escada ao fundo que levava aos quartos da alegria.
Quando Jonathan vislumbrou tudo aquilo, um nojo atingiu o estômago, ele não era igual os outros homens que só pensavam em seduzir as mulheres por alguns instantes como num jogo de mentira, ele queria uma mulher de verdade, para estar ao seu lado por todos os dias da sua vida. Aquela mulher que ele pudesse compartilhar os momentos mais felizes, aquela mulher que ele amasse num profundo desespero e que não conseguisse mais viver sem.
Cansado de tanta sacanagem, Jonathan foi de encontro a Marinho, que estava sentado no sofá com uma mulher que estava com uma das mãos dentro da sua calça fazendo gestos rápidos que o deixavam todo arrepiado.
-Estou indo embora Marinho. Outro dia nos encontramos para conversarmos melhor-
Nesse momento, logo após despejar todas essas palavras para o seu companheiro, Jonathan ouviu vozes brigando no fundo do salão. Um homem pegava uma das dançarinas pelo braço e gritava com ela palavrões, insultando-a de todas as formas.
-O que esta acontecendo aqui? – Quis saber Jonathan, com uma voz firme que intimidasse o outro homem, que era muito mais velho que Jonathan- Largue a moça, você não percebe que a esta machucando?
Passando as línguas pelos lábios e mostrando aqueles dentes amarelados, o velho falou com um hálito horrível de cachaça:
-Vagabunda não sente dor, menino. Vagabunda só sente prazer- Com voz de bêbado, as próximas palavras do velho se perderam aos poucos-  Eu pagu...ei pra met...er nessa pu... desgraçada.
- Não ouse falar assim dela- disse Jonathan apontando o dedo para a cara do velho- O senhor não vê que a esta assustando- Nesse momento a garota chorava incessantemente, sua maquilagem estava toda borrada- Me siga até o quarto disse ele para a moça, você pode ir embora seu velho estúpido- nessa hora Jonathan agarrava a gola do velho com força- Não apareça nunca mais- Virou as costas junto com a menina e foi de encontro ao segundo andar.
Na segunda porta a direita os dois esbarram com um cara em frente a uma porta.
- Pagamento adiantado- disse o senhor.
- Não quero fazer sexo com ela- disse Jonathan- Estou aqui porque ela não esta bem, acabou de ser maltratada por um cliente.
Com um ar de esnobe, o funcionário gordo e papudo falou:
- Esse problema não é meu, ela trabalha aqui para satisfazer as vontades de nossos clientes, se você não quiser desfrutar de seus serviços, acho melhor o senhor ir embora.
-Tudo bem, eu pago- disse ele com um ar consternado.
Jonathan tirou algumas notas da carteira para o funcionário e entrou com a moça no quarto. Ele pegou e começou a tirar o casaco, dentro daquele quarto estava muito calor, só havia um ventilador velho, um banheiro e uma cama de casal.
Ele sentou na beirada da cama, passou as mãos carinhosamente pelos cabelos da moça que não parava de chorar e disse:
-Qual o seu nome?
-Angelina- disse ela aos prantos.
Quando a moça virou o seu rosto e seus olhos se encontraram com os de Jonathan, algum tipo de choque percorreu o corpo do jovem galã. Aquela garota, com os olhos negros tão intensos, e aquele rosto dotado de sofrimento fazia com que Jonathan sentisse uma imensa vontade de protegê-la para que mais ninguém pudesse fazê-la sofrer.
-Quantos anos você tem?
-Dezesseis- Angelina começou a tirar toda a roupa. Ficou nua na frente de Jonathan, que sentiu seu corpo ardendo por uma chama- Obrigada por tudo, o senhor pagou pelo serviço, eu preciso terminar o meu trabalho- seus olhos ainda derramavam lágrimas.
Depois de observar aquele corpo de cima a baixo, Jonathan pegou as roupas da garota no chão e mandou-a vestir.
- E o serviço que o senhor pagou? Não é justo.
-Existem outras maneiras de você realizar esse serviço. Quero poder observa-la a noite toda, quero apreciar a sua beleza. Minha linda jovem- Nesse momento suas mãos seguravam o queixo das jovens, e seus lábios carnudos estavam muito próximos dos lábios finos do jovem cavalheiro-Saiba que eu nunca vou lhe fazer mal.
Os dois ficaram ali por alguns momentos se olhando, Jonathan via em Angelina a cada segundo que passava uma beleza contagiante, seus cabelos curtos cor de fogo, sua pele lisa e perfumada...
 Como que uma menina cheia de potencial poderia estar vivendo num inferno? Essa era uma pergunta difícil de ser resolvida, nem todas as pessoas nasciam com sorte, o mundo não parecia ser construído por justiça. O temor aterrorizava os homens, e o medo do breu causava uma falsa segurança, que muitos chamam de justiça humana.
Depois de meia hora se olhando, Angelina cansou de manter contato, deitou na cama e colocou a sua cabeça sobre as pernas cruzadas de Jonathan, olhando para cima ela abriu um sorriso.
- Ao seu lado me sinto tão segura.
Ele acariciou lhe os cabelos, desfez um nó com gestos simples. Ainda fazendo carinho na jovem mulher, ele disse:
-Tenho uma proposta para lhe fazer. Você é muito nova para trabalhar num lugar como esse, Angelina, você merece um mundo muito melhor. Venha morar comigo e te mostrarei como a vida pode ser bela.
-Quem disse que minha vida não é bela?
- Percebe-se. Sua realidade pode ser bem melhor.
- Minha mãe também trabalhava com o corpo, e sempre foi muito feliz. Até o dia em que um dos seus clientes, cheio de um ciúmes doentio a matou. Nosso trabalho poderia nos causar felicidade, porém não conseguimos sossego porque trabalhamos com homens desequilibrados, homens que só pensam em poder, homens mesquinhos...
- Eu sei, eu sei- disse ele, tranquilizando-a- Fique calma, já passou. Se você quiser pode passar só essa noite lá, como uma experiência. Prometo que você não irá se arrepender.
 Seus lábios de um vermelho vivo abriram um pequeno sorriso. A decisão estava tomada, Angelina pegou suas coisas, Jonathan desceu as escadas e sem se despedir de Marinho pegou um táxi com Angelina rumo a sua casa. Meia hora depois os dois estavam em frente à casa de Jonathan. A chuva continuava, assim como a chama do coração de Jonathan, que não tinha se apagado, pelo contrário, parecia mais potente com o passar do tempo.
Quando os dois entraram na casa, Jonathan mostrou para Angelina o quarto em que ela iria ficar, depois deixou-a descansar, ele foi até uma gaveta no armário da sala e pegou um envelope.
“Preciso esconder isso... ”.
Jonathan tirou um quadro que continha um cavalo da parede e girou quatro números para abrir o cofre, depois de abri-lo ele depositou o envelope lá dentro.
“Agora me sinto mais seguro”.
Ele ficou o resto da noite pensando em Angelina. Estava morrendo de vontade de vê-la, mas sabia que o melhor era manter certa distância para que sua convidada se sentisse mais a vontade. Ele virou para o lado com o travesseiro azul abraçado e pensou:
“Amanhã será uma dia bem melhor...”
E foi com essa convicção que Jonathan conseguiu pegar no sono.
Enquanto o dono da casa dormia, Angelina vasculhou cuidadosamente todos os lugares da casa até encontrar o cofre atrás do quadro. Quando isso aconteceu, um longo sorriso desabrochou pelos seus lábios vermelhos de perdição.
Foi com muito cuidado que ela saiu da casa de Jonathan no meio da madrugada e desceu a Rua dos Operários, em busca do seu valiosa ideia de mudar de vida. Antes de chegar ao encontro em que tinha marcado, ela foi até um de seus primos pegar um instrumento essencial para a sua estratégia.
 Chegando ao local planejado, Angelina bateu na porta três vezes antes da aparição de um homem.
- Conseguiu achar algo de interessante?
- Encontrei um cofre atrás de um quadro.
-Excelente- disse ele com brilho nos olhos- Agora você pode voltar para o Don Juan, amanhã levo a sua recompensa.
Com o olhar sério e assustador,  Angelina apontou a arma para o peito do homem e disse:
- Não quero essa porcaria de recompensa, Marinho. Eu quero muito mais, você não sabe o que eu passei naquele lugar, como que eu tive que amadurecer cedo por causa das vontades do homem. Só que agora é diferente, eu estou no controle. Eu terei uma vida nova, uma vida digna- gritou ela ao mesmo tempo em que um raio riscava o negro céu.
-Não faça nada. Você poderá se arrepender. Eu terei muito dinheiro, poderemos sair da ilha, poderemos viver uma vida nova. Nós dois juntos- Ele passou a mão pelos cabelos dela- Vivemos momentos na cama de tanto prazer, te ofereci tanta coisa- agora sua expressão era de muita dor, parecia que Marinho sentia o cheiro da morte bem próximo de suas narinas.
- Na cama eu só sentia nojo quando estava ao seu lado- Colocando a arma nas costas de Marinho, ela disse baixinho- Agora você vai à frente, sem olhar para trás até a casa de Jonathan. Qualquer gracinha será a última...
Obediente, com medo da morte, Marinho com roupas de ficar em casa, foi lentamente a casa de Jonathan. Angelina o seguia com poucos metros de distância. Qualquer movimento brusco seria um bom motivo para ela atirar. Seu ódio era tão intenso, que nem as estrelas do céu podiam levar leveza aquela alma cheia de sofrimento, cheia de revolta dentro do coração.

Jonathan acordou com Angelina sentada na beirada da cama e Marinho encostado na parede do seu lado da cama.
- O que aconteceu?- disse ele esfregando os olhos e se esticando.
-Nada. Só fiquei aqui te observando- Ela pegou e apontou a arma para a cabeça de Jonathan- Você parece um anjo dormindo- disse ela com um olhar apaixonado.
Com os olhos arregalados, Jonathan rapidamente se sentou e olhou para seu amigo Marinho que estava com o seu olhar fixo na arma.
- Diga a ele Marinho- disse Angelina, que nesse momento parecia estar se divertindo- Diga que você queria roubar o seu melhor amigo.
- Que história é essa?- perguntou Jonathan olhando para Marinho.
- Eu queria roubar tudo o que você tinha e partir para o continente rico. Porém confiei na vagabunda errada, esta piranha agora toma conta da situação.
-Veja como você fala comigo Marinho- Angelina apontou para a perna de Marinho e disparou. Logo um grito de dor ecoou no quarto, Jonathan ainda tentou ajudar o amigo, que aos poucos caia no chão com muitas dores.
Angelina apontou o revólver para a cabeça de Jonathan e disse:
- Agora abra o cofre. Estou cheia de homens que só querem saber de sexo, estou cheia de tudo isso. Quero viver uma vida normal, como toda garota tem o direito de ter-
Jonathan silenciosamente foi até a sala e colocou a senha do cofre. Quando o cofre foi aberto, ele se afastou. Angelina com os olhos brilhantes olhou para ver o que tinha lá dentro, e para sua grande decepção, em vez de achar muito dinheiro, a única coisa que ela viu foi um envelope.
Com desejo, com vontade, abalada. Suas mãos tremiam muito.
“Nada pode dar errado, nada pode dar errado”, pensava ela.
Uma lágrima escorria do seu rosto, estava tão perto de conquistar a sua liberdade, e agora tudo parecia ter evaporado. Aquele envelope tinha que conter algo muito bom, caso contrário seria o seu fim, seria o fim da memória de sua mãe que por muito tempo havia sido obrigada a ter relações com homens. Seria o fim da sua vingança, de seus dias de choro por ter que fazer sexo com mais um cara nojento que fedia, roncava, peidava no meio da relação, que batia na sua cara, na sua bunda com a maior força, que causava nojo. Seria o fim...
Aquele momento parecia levar uma eternidade, o envelope agora estava em suas mãos, tudo dependia daquele momento. Aos poucos ela abriu o envelope e começou a ler tudo que estava escrito.
No final, um leve sorriso aflorou de seus lábios.
- Jonathan Salles e seu pai Manuel Salles proprietários do “Don Juan”, nada mal- disse ela aos risos- E quanto será que ganha um proprietário daquele mausoléu? Deve ser bastante, para o amigo tentar aplicar um golpe... Onde esta o dinheiro que você recebe?
- Esta numa mala embaixo do sofá ao seu lado- Sua expressão era de dor, ontem sonhava com Angelina como uma moça bonita e apaixonante, mesmo a odiando agora, ainda podia sentir a sua dor. Não era fácil para uma garota se prostituir tão cedo...
Angelina que ansiava pela mala, abaixou-se para olhar por debaixo do sofá. Pegou a mala e quando levantou levou um tapa na mão que estava com a arma e começou a brigar com Marinho, que com todo ódio batia na sua cara, puxava o seu cabelo. Enquanto isso, Jonathan estava parado, paralisado, sem saber o que fazer. Duas pessoas da mais extrema confiança brigando por causa de ganância, duas pessoas traindo os seus ideias na sua própria cara, tratando-o como um lixo, como um rapaz que gostava de ser proprietário daquele ninho de ilusões prazerosas.
No momento da briga, Angelina ou Marinho, não se sabe bem, chutou a arma que sutilmente, rolou pelo piso da sala até os pés de Jonathan. Nesse instante os dois olharam para a arma e pararam de brigar. Jonathan rapidamente pegou a arma e logo apontou na direção de Marinho, e depois na direção de Angelina, que estava cheia de marcas na cara, contudo a mala ainda estava em sua mão.
Pensativo, Jonathan em poucos segundos quebrou o silêncio.
- Quem irei matar primeiro?- perguntou ele para ele próprio.
Não houve resposta, o silêncio tomou conta do lugar, o medo de perder a vida estava instalado no local.
- Se eu matar uma prostituta ninguém da cidade ficará com saudades, já se eu matar Marinho terei maiores complicações. Espero que esse ato de generosidade sirva de lição para você caro amigo.
Os olhos de Angelina escorriam de medo, suas mãos tremiam de nervoso, já se lembrava de como era uma menina inocente antes de ser levada para o “Don Juan”, se lembrava de como seu futuro poderia ser promissor.
- Eu tentei te salvar, Angelina. Saiba que eu me apaixonei por você, porém nosso amor foi desperdiçado pela sua ambição. Lembre-se, um homem nunca perdoa esse tipo de traição.
- Por favor- Implorou ela, suas mãos ainda tremiam, e sua voz suou como o de uma garotinha.
Cinco segundo depois uma bala atingiu a sua cabeça, suas mãos finalmente pararam de tremer, seus medos caíram por terra, sua estrela de nascimento havia sido apagado por uma cruz de tristeza.
Marinho abraçou Jonathan, que logo empurrou o amigo. Naquele dia Jonathan havia avisado Marinho de que ele passaria o resto de seus dias como cafetão no Don Juan por tudo o que ele tinha feito, e caso ele não cumprisse o acordo, Jonathan faria de tudo para vê-lo morto.
Pisando no sangue de Angelina que se expandia pelo piso da sala, Jonathan olhou para seus olhos e pensou:
“ A vida é feita de cartas marcadas, no final só os fortes sobrevivem”.

Um mês depois
Marinho, vestido de terno e gravata, arrumava o cabelo. Após alguns minutos ele foi para o alto da escada dizer:
- É com honra que dou as boas-vindas mais uma vez aos cavalheiros que frequentam o Don Juan.
Mais uma noite de sedução estava por vir, cheia de choro, revolta e temores. Porém só os fortes sobreviviam, os fracos somente choravam e faziam planos procurando um mundo melhor, um mundo que nunca chegava, o mundo real era uma verdadeira tortura para uns, para outros era uma diversão. Enquanto alguns sorriam, outros choravam. Alguns diziam que Angelina estava com a mãe em paz no céu. Será que pensar assim não era apenas uma forma de confortar os corações daqueles que vivem? Quem ri nem liga pra quem chora.
O mundo esta bom assim. Pra que mudar?