24 de jun. de 2012

Sangue Azul!


"Sangue azul, sangue nobre. Loucos são aqueles que não conseguem visualizar seu brilho e fazer do vermelho raridade no mundo inteiro."

Aos poucos Pedro Caio se aproximava do jardim, ele vestia um trench coat negro e botas da mesma cor, óculos escuros e um bloco de papel nas mãos. Essa era sua hora preferida para começar a escrever na acolhedora mansão Vitoriana, o clima silencioso do local e a sensação de paz que ele transmitia eram revigorantes para as almas que possuíam pouca paz pelo mundo e carregavam a tristeza do infinito dentro do coração. Suas palavras ali eram tão significativas como a vida, ás vezes ele se perguntava se elas poderiam traduzir a sua essência, tinha a impressão de que elas eram jogadas inúmeras vezes num borbulhante caldeirão e podiam expressar seus sentimentos de uma forma que o buraco negro que cobria a sua existência não fosse tão escuro e destruidor.

Os pássaros cantavam em cima da árvore próxima ao chafariz e ao banco do jardim, local em que Pedro ficava sentado horas por dia escrevendo sobre como a vida soava para ele tão idealizadora como nos filmes norte-americanos, cheia de aventura e final feliz. Porém nada disso parecia ser verdade, as pessoas funcionavam como robôs, obrigadas a fazer aquilo que não queriam presas em gaiolas feitas pela sociedade. Sou um passarinho que não posso cantar, pensava ele por diversas vezes com uma vontade imensa de ter nascido um pássaro e ser livre para voar.

As palavras naquele dia pareciam não fazer sentido, depois de trinta minutos com caneta e papel em mãos apenas uma frase estava escrita: Eu preciso viver!

Aquela frase parecia ter sido escrita com sangue, toda a vez que lia, uma pontada no coração demonstrava que nele em algum lugar havia amor, mesmo que estivesse escondido no fundo do pulsante coração que bombeava sangue para todo o corpo. Todo o seu existir. Sangue vermelho como o rubi, tão ou mais precioso do que aquela pedra que vale centenas de moedas douradas. Acho que meu sangue é azul, como os antigos diziam, não existe amor em mim, apenas a “sorte” de ter nascido numa família dotada de privilégios. Acho que meu sangue é azul. Acho que meu sangue é azul.

Azul, Azul, Azul. Essas palavras faziam ecos na sua mente, ele começou a se sentir nauseado, levantou rapidamente do banco e deixou caneta e papel caírem no gramado. Seu mundo começou a girar, a entrada da mansão Vitoriana parecia estar cada vez mais longe, só conseguia vislumbrar a belíssima casa ao fundo banhada de cor prata, luxuosa e moderna. Será que vou chegar a tempo? E foi nesse exato momento, na hora da correria, que seu corpo colidiu com algo, com brutalidade Pedro perdeu o equilíbrio e caiu no chão, o céu por cima parecia estar se movimentando rapidamente, como uma mistura homogênea, até que sua visão voltou ao normal e ele pode vislumbrar as nuvens negras que apareciam no auge e uma picada na ponta do seu dedo. Como o mundo é lindo! , pensava ele deslumbrado com toda aquela paisagem. Parecia que uma flecha tinha atingido o seu coração, o buraco parecia aos poucos se fechar. O ar que respirava era mais acolhedor, seus dedos da mão direita tocaram sutilmente o seu rosto, e uma nova descoberta fez um sorriso acorrentado desde o tempo em que era uma inocente criança se libertar. Consigo sentir o calor. Consigo senti-lo.

A sua mão esquerda se ergueu aos poucos, á medida que ele sentia o formigamento, e seus olhos ficaram paralisados ao ver uma pequena gota de sangue sair de seu dedo. É vermelho! Como o rubi. Meu sangue é vermelho como o fogo, como a chama da vela do meu bolo de aniversário.

E o seu virar em câmera lenta, mostrou que o fato mais devastador daquele dia ainda estava por vir. Seus olhos são azuis como o oceano, seus cabelos compridos e negros como o carvão, seus lábios vermelhos como a paixão.

-Desculpa. O senhor estava correndo e eu estava com pressa de chegar ao lado leste. Mil perdões.

Perdão? Desde quando anjo pede perdão? Será que sou um demônio tão assustador assim? Ou somente um anjo sem vida banhado de escuridão?

O silêncio triunfou naquele instante, o que dizia era o olhar. Quero beijá-la, preciso voar, pensava ele com seus olhos escuros como o fundo de um poço, arregalados, parecia que vislumbrava a luz, podia visualizar aquele anjo em forma de mulher tomando banho no rio encantado da vida, suas asas brancas como a nuvem no céu, seu corpo acolhedor encolhido em cima de um altar.

Foi nesse momento que começou a chover forte, a jovem mulher pegou o braço de Pedro e ajudou-o a se levantar. Foi nesse momento que seus olhos ficaram frente a frente. Luz contra trevas, Céu azul e noite escura se encarando face a face. Cara a cara.

A chuva não veio para acalmar os nervos, pelo contrário, parecia transmitir fogo, acender a chama. Incendiar o coração de Pedro. Transbordar sentimentos que não conseguiam encher meio copo havia anos. Adormecidos num labirinto coberto de monstros com postura soberana e diamantes no lugar dos olhos.

   -Quero você- sussurrou Pedro tão baixo que com o barulho da chuva era impossível de se ouvir.

   -Não entendi- disse a mulher com a testa franzida, e surpreendida por um caloroso beijo em seus lábios. Foi quente. Molhado. Doce. Acolhedor. Quente. Surpreendente. Segundos com intensidade de uma vida inteira. Demonstração de amor.

É isso que falta na vida, pensou Caio, enquanto seus lábios exploravam terras encantadas, seu coração batia mais rápido a cada milésimo de segundo. Saciando a sua sede, esmagando a sua vontade com o precioso e curto tempo. Mesmo sentindo a melhor coisa que o mundo tem a nos oferecer, ele não se sentia totalmente feliz por causa de um motivo. Ainda posso sentir a dor. Minha alma transparente ainda se contagia pelo mundo sombrio, corvos sobrevoam a minha mente, é medo, preciso me acalmar, é medo.

Assim que os lábios se separaram, deixaram de manter contato, Pedro só conseguiu pronunciar uma única palavra:

-Tempestade.

-Você não poderia ter feito isso- disse ela assustada com toda a inconstância que aquele momento estava proporcionando, ela só estava indo para a casa dos empregados depois de cumprir o primeiro dia das suas obrigações- O que é tempestade?

-Seus olhos. Parecem estar atravessando uma grande tempestade- Pedro continuou com a sua mão acariciando o cabelo liso daquela jovem e linda mulher.

-Preciso ir. Desculpa senhor. Foi tudo um grande engano- Ela se livrou de sua presença e com passos largos, começou a se encaminhar para a casa dos empregados, na área leste.

Como a vida pode se enganar? Cadê a chuva? Que diferença faz se agora está chovendo ou com um sol abrasador?, pensou ele

-Qual é seu nome? – gritou Pedro o suficiente para a garota ouvir. E com o mesmo tom de voz responder e virar-se para continuar a sua caminhada.

- Leila- ele ainda pode perceber um sorriso aflorar em seus lábios antes de ela se virar.

Leila. Eu quero amar Leila. Eu quero beijar Leila. Leila. Anjo. Leila. Liberdade. Pássaros. Voar. Eu quero voar. Não tenho sangue azul, o sangue que corre pelas minhas veias é vermelho. Vermelho como as pétalas das flores mais bonitas do jardim.

Pedro voltou para a mansão Vitoriana naquela tarde sorrindo de orelha a orelha, quando empurrou o portal cinza para entrar na mansão. A riqueza contaminou o ambiente, os móveis do Hall eram banhados de prata, com dois sofás na parte central, junto com um tapete de urso polar e uma lareira do lado esquerdo, na parte central tinha um tapete vermelho que decorava toda a escada até a parte de cima, e do lado esquerdo havia uma porta transparente que dava acesso a biblioteca, a piscina e ao salão de jogos, e uma porta preta com um buraco de três grades na parte central que levava a cozinha e ao depósito dos equipamentos dos empregados.

O que mais chamou a atenção de Pedro não foi nenhum desse luxo que ele estava acostumado a ver, e sim a sua imagem no grande espelho oval com sua borda cravejada de rubis.

Estou diferente. Não estou com olheiras, meus cabelos negros agora transmitem um pouco de brilho, aquele mesmo que eu posso ver no meu sorriso. Não estou mais tão pálido. Apenas minhas roupas me trazem uma imagem sombria. Um corpo coberto de amor vestido de luto. Parece que estou simbolizando muitos casais da atualidade, com vida e sem alma. Essa comparação o fez mais uma vez sorrir naquele dia.

Enquanto Pedro ainda se admirava no espelho, a voz do pesadelo voltou. Encheu a sala com um temor. Parece que as velas se apagaram e o que sobrou foi á fumaça.

 -Pedro é você?- disse Odete no meio da escada, seu vestido vermelho combinava perfeitamente com o tapete. Pareciam um só. E ela parecia uma flor. Uma rosa dotada de espinhos.


-Sou sim, será que mudei tanto para a senhora não me reconhecer?- disse ele, agora aos pés da escada.


Odete odiava ter que encarar as perguntas afiadas do filho, já não bastava o estresse de ser a presidente de uma das maiores empresas do mundo.

-Você muda a cada dia. Só a sua essência continua a mesma, querido. Sua aparência sempre foi perfeita, todos estamos cansados de saber do seu potencial nesse quesito. Porém, hoje alguma coisa mudou, consigo detectar alguma alegria. Você não entrou com a cabeça baixa pela aquela porta, parecia até que tinha visto um passarinho verde.

Dessa vez você errou mamãe. Não era verde, e sim vermelho. Vermelho como o sangue. Como uma fênix ressuscitada das cinzas dos mortos.

-Venha agora, querido- Odete abriu os braços- Venha abraçar sua mãe. Fico tão contente quando o vejo feliz.

Pedro subiu os degraus com receio, parecia que estava indo para um tribunal, prestes a ser decapitado. E quando o seu corpo entrou em contato com o da sua mãe, e as mãos dela cheias de um dourado poder selaram esse momento ao entrarem em contato com as suas costas, o frio tomou conta do seu ser, aquelas mãos pareciam frias como a pedra.

-O que aconteceu, Pedro? Porque esta tremendo?- disse Odete preocupada com suas mãos acorrentadas por pulseiras de ouro.

- Frio. Muito frio.

Sua alma esta algemada pela fortuna, por favor, me deixe ir, por favor, me deixe partir!

-Venha, vou te levar até o quarto, esta na hora de você descansar debaixo das cobertas- Os dois se encaminharam para a primeira porta da parte oeste do segundo andar.

O quarto continha vários tons de azul, uma cama de solteiro, quadros de composição surrealista e uma varanda para a parte frontal da casa. Odete ajudou-o a deitar na cama, pegou as cobertas no armário e depois de cobrir o filho que ainda tremia de frio, afagou seus cabelos negros e disse:

-Você é a coisa mais importante que já aconteceu na minha vida- Seu olhar se deteve um pouco para o lado de fora da varanda e depois de alguns segundos parece que ela saiu de uma hipnose, e voltou a se levantar para ir aos seus aposentos, depois de desejar uma boa noite para Pedro.

Mundo predatório, eu sei que foi longe dessa casa banhada de prata que você formou a sua vida, querida mãe. E eu que nunca sai dessa prisão? Esse metal frio que reveste todas as paredes. Eu sei que você amou, eu sei que seu sangue não é azul. Eu sei que você matou por amor. Eu sei, eu sei.

As lembranças voltaram de repente na sua mente. Estava subindo aquelas mesmas escadas vermelhas, com uma bola de futebol na mão. Queria mostrar para o papai que sabia chutar a bola como ninguém. E os gritos ao longo do corredor, começaram a aparecer quando entrou no quarto de seus pais, Odete armada com um revólver na mãos chorava, mas não de tristeza, e sim de um ódio indestrutível, podia jurar que sangue escorria pelo seu rosto em vez de lágrimas. Meu pai jazia com um buraco no peito deitado no chão e com os olhos voltados de terror.

Odete nada disse, apenas abraçou Pedro com força, e daquela vez seu abraço não tinha sido nem um pouco frio, era quente de amor, uma proteção que só pais e filhos podem sentir.

Nenhum dos empregados disse nada naquele dia. Todos diziam que um cara havia matado o meu pai. Mas eu sabia que não. A verdadeira assassina era a pessoa que eu mais amava. Os empregados continuavam sem falar e sem ouvir, presos na cozinha pelas grades de ferro. Foi o sangue vermelho do meu pai que fez a minha mãe triunfar sobre o mundo, suas mãos manchadas de sangue não importavam a ninguém, todos só queriam saber de sua emersão no vestido de glória.

Seus olhos escureceram como uma noite sem lua, uma nova idéia começou a fazer seu coração disparar cada vez mais rápido. Pedro via em toda essa história uma luz no fim do túnel.

Meu pai conseguiu se libertar, ele conseguiu voar.

Quando deixou o quarto a meia-noite, o bloco de papel que se encontrava em cima da sua mesa no quarto só continha uma frase com caneta vermelha: “Preciso morrer para viver”.

O corredor estava sombrio e silencioso, com passos lentos e seus olhos tão escuros como uma noite sem lua, ele estava obcecado pela possível liberdade.

Quando terminou de descer as escadas para o hall, foi direto para a mesa do relógio, desenroscou a algema do tempo e encontrou o que precisava: o revólver salvador que ajudara o seu pai a partir para um mundo sem desigualdade e maldade, tão pouco dor e tristeza, apenas voar pelas nuvens brancas de luz e nadar por lagoas com sereias.

Guardou o revólver e abriu as portas para a liberdade, um vento forte esfriou o seu corpo e anunciou a mudança na vida que estava por vir. Com passos rápidos como o daquela vez em que esbarrou com Leila, ele logo chegou ao jardim, mesmo depois de ter passado por tanto medo, no percurso ele tinha a sensação de que várias pessoas espiavam nas trevas.

Eles não querem que eu fuja. Preciso correr. Preciso correr o mais rápido possível, antes que o véu da desilusão me envolva com a sua sedução.

O banco da praça não estava vazio naquela hora da noite. Pedro conseguia vislumbrar os seus cabelos, seus lábios, sua perdição crescendo. Leila estava sentada com a cabeça curvada. Ele se aproximou e percebeu que ela chorava desesperadamente.

-Porque choras meu anjo?- disse ele com sua mão estendida para uma dança.

Leila assustada, levantou a cabeça, e Pedro viu suas lágrimas percorrerem todo aquele rosto angelical até seus lábios.

-Que sabor tem a lágrima?- perguntou ele com um tom muito elevado de curiosidade.

-Ela é salgada como a água do mar- disse ela rindo daquela pergunta totalmente desprovida de sentido.

- E a morte, que sabor ela tem?- perguntou ele com a perspectiva de que Leila soubesse tudo sobre os mistérios do mundo.

- A morte para muitos é amarga, para outros ela pode ser doce e acolhedora e para poucos uma salgada humilhação- disse ela rindo mais ainda dessa pergunta, era nítido que ela não levava nenhuma daquelas perguntas a sério, contudo tentava responder da melhor maneira possível- E o senhor? O que esta fazendo...?

Só que antes de ela terminar de perguntar, seus dedos a silenciaram, Pedro se agachou para que seus olhos ficassem no mesmo nível, e seu lábio começou a ficar cada vez mais próximo do dela.

-Em qual dessas definições você realmente acredita? – Suas palavras como o vento, levavam muito mais do que um simples frescor, seu hálito quente demonstrava que por trás de todo aquele luto, ele podia ser compreensivo e um rapaz incrível.

-Acho que amarga. -Seus olhos vislumbraram a arma cheios de terror-. O que você vai fazer comigo?

As vestes de Pedro Caio se debatiam incessantemente com o vento, seu ar soberano, sua cara de louco, seu meio sorriso mostrava que o final não era nada feliz e sim uma careta amedrontadora na noite vazia de nuvens.

Leila tremia. O pânico de estar indefesa era extremamente perturbador, Pedro caio se aproximava aos poucos, com a arma apontada para o seu rosto, suas botas deslizavam pela névoa negra que enchia aquele lugar aos poucos, urubus sobrevoavam a noite traiçoeira, sua luva de couro encostou-se a seu rosto para enxugar as suas lágrimas e aumentar a frieza em seu corpo de anjo inocente.

- O final esta próximo, Leila. Posso sentir o gosto da morte na minha boca.

-Por favor! Por favor! Não faça nada comigo, eu imploro. O que eu fiz?

Você não fez nada meu anjo, eu que sou torto. Leila. Tenho que gravar esse nome até o final da minha existência. No final só quero a luz e voar, voar como um anjo e ao paraíso buscar.

-Levante-se Leila. Preciso de um favor seu- Pedro Caio estendeu o revólver até a sua mão, e o largou- Eu preciso que você me liberte desse inferno. Não consigo mais agüentar esse rodamoinho de fogo que me atinge dos pés a cabeça, das minhas algemas eternas, dos meus pesadelos marcantes onde a vida é um tormento constante- Me mate! Agora. Por favor. Quero voar.

Pedro estendeu as mãos, só que dessa vez ele não queria nenhum abraço humano, e sim um último abraço, o fatal.

Feche os olhos, meu filho. Essa frase sempre minha mãe usava nos momentos em que eu não conseguia dormir. Dessa vez eu não iria acordar, dormir pelo infinito não parecia ser tão aterrorizador.

Leila levantou-se aos poucos, com a arma em mãos e apontada em direção ao peito de Pedro.

Que seja libertador. Que seja libertador.

Ela engatilhou o revólver.

Abra os olhos.

Os olhos dela não eram mais azuis, e sim vermelhos como a lava de um vulcão. O vento que levantou o seu cabelo e o raio que iluminou sua face banhada de fúria era um sinal de que a libertação seria rápida e indolor.

O revólver disparou e seu som ecoou por alguns segundos de um vazio devastador. Um corpo brutalmente caiu no chão.

A liberdade. Não é tão ruim assim. Posso sentir a minha chama ininterrupta, posso sentir minha alma lavada pela cachoeira dos campos do além.

Quando ele abriu os olhos, Leila mantinha seu rosto colado com o seu. Abriu os lábios e mais uma vez aquele amor voltado de luz rodeou o casal de um feitiço encantado e protetor.

Se isso é a morte meu Deus. Porque me levou a vida?

Sua boca tinha um gosto doce de morango, sua língua amaciava a sua com movimentos circulares, até que o tempo os separou, e seus lábios se selaram por mais uma vez até ela dizer:

-Olhe para trás.

Foi isso que Pedro fez e para seu grande alívio, a rainha das flores vermelhas, sua poderosa mãe jazia morta, com um tiro na testa, deitada no gramado que à tanto tempo o acolhera nos grandes momentos de solidão. Os olhos maternos dela transmitiam terror e dor, arregalados com a surpresa do rompimento da sua alma com o corpo, até então intacto pelo tempo. Após alguns segundos, o gramado começou a puxar o corpo de Odete para as profundezas, para cultivar o seu sangue pelas flores encantadas e quem sabe aumentar a intensidade de seu brilho no próximo amanhecer.

Eu sabia que você tinha sangue azul, mamãe. Viva para sempre, você nem imagina a forma que a morte pode ser libertadora.

Leila e Pedro ficaram de mãos dadas e correram direto para a mansão, quando abriram abruptamente as portas da Fortaleza Prateada, fizeram as suas malas e pegaram o máximo possível de objetos de valor para fugirem além do alcance de qualquer pessoa mortal.

Antes de sair, Pedro olhou para o local onde ficavam os empregados.

Aquelas grades nunca foram abertas, nunca vi as pessoas que trabalharam duro para me dar conforto, para me ajudar, para me fazer sorrir. Essa desigualdade vai passar pelo mundo séculos e séculos. Privilegiados contra Desfavorecidos. Será que um dia essa luta terá um fim?

Assim que Leila encostou-se a seu braço, ele sabia que lutava em outra batalha naquele momento. Os dois fugiram pela casa dos empregados, e Pedro colocou os seus pés na rua pela primeira vez. Desde que nascerá a mansão havia sido a sua prisão. Quando olhou para trás, viu pela última vez a mansão.

Eu posso voar. Ninguém com a foice na mão e de capuz veio me buscar como nos desenhos animados, apenas uma bela beldade com um beijo imortal e sincero.

Não havia mais urubus para sobrevoar, tampouco uma escuridão para se esconder, nem sangue azul para se banhar e nem algemas douradas para lhe aprisionar.

Leila abraçou Pedro Caio e sussurrou em seu ouvido:

-E agora pra onde vamos?

E Pedro Caio não tinha a mínima noção do que fazer.

O que fazer com a liberdade quando ela se curva para você? Parece que lutei durante anos por uma idealização da minha mente.

Ele apalpou aquele belo corpo na calçada, perdidos no mundo, a única importância era o presente momento, o futuro era uma caixa de surpresa. A mansão vitoriana ao fundo, escurecida, fechava os olhos para não ver Pedro Caio. Sozinha, ela sentia uma forte angústia e uma imensa vontade de chorar. Sangue azul escorria pelas paredes esperando seduzir seus próximos moradores.

18 de jun. de 2012

Amada


Caminhando lentamente pelo seu coração
Perdi-me naquele labirinto de sentimentos
E quando encontrei a rainha do meu amor
Seu poder me seduziu loucamente.

Deixe-me amá-la minha deusa
Por todo o céu azul de brigadeiro
Que envolve seu corpo de luz
E pelas nuvens me conduz.

Dona das pétalas vermelhas
Guardiã do meu jardim
Salve minha alma pecadora
E leve-me até um alegre fim.

Quero-te hoje
Quero-te ontem
Quero-te sempre
Quero-te contente.

Por favor, não me abandone
Não me deixe na solidão
Minha amada voe sempre
Até a lua encontrar.
E espero o brilho do mestre sol
Clarear o nosso amor.

Sou mortal,
Sou seu servo.
Vago pelo mundo
Procurando seu beijo eterno.

Largue o mundo
Largue o céu,
Venha a Terra me encontrar
Largue a vida
Largue a morte
Venha ao mundo me salvar!

15 de jun. de 2012

Caminho


“Nunca fui pior nem melhor do que ninguém. Simplesmente tentei alcançar os meus sonhos, meus desejos sinceros e tentar agir da maneira certa em todos os momentos. Não sou perfeito e estou bem longe desse ideal, porém enquanto persistir e me aproximar cada vez mais desse título, a evolução já terá sido promissora.
Algumas pessoas dizem que não se arrependem de nada do que deixou de fazer e sim do que tenha feito. Tenho certeza que essa frase não define as minhas atitudes, várias oportunidades eu deixei de lado, não sou uma pessoa que topa todas as chances para se divertir, pra mim um tempo pra solidão é essencial para eu me conhecer melhor.
Pra mim as despedidas são dolorosas como uma noite gelada sem fim, saudade é um sentimento que aprendi a administrar com o tempo, antes lágrimas eram despejadas sem pensar no amanhã, hoje é diferente, apenas um “até logo” com a esperança do próximo encontro ser mais animador.
O tempo é uma coisa que ainda não consigo entender, para algumas pessoas dias é como se fossem meses e para outras como se fossem segundos. Tudo depende da intensidade de cada um, por isso ainda oscilo entre esses dois termos.
Enquanto o sol despejar todo o seu calor pela Terra, enquanto eu cantar uma música e sorrir, enquanto uma pessoa no mundo ser feliz pode passar segundos, minutos, meses e anos. Perdido no tempo um dia irei encontrar o caminho certo, e por ele andar de bicicleta com o vento acariciando o meu rosto até a lua cheia anunciar a vinda da noite traiçoeira e com ela a última despedida e por fim a indestrutível escuridão!"

11 de jun. de 2012

Sem palavras!

Acho que vou parar de escrever, minhas palavras idealizadas não passam verdade, minhas idéias vagam pela colina no mais alto da mediocridade, meus personagens tão planos como linhas que se cruzam com um fim no papel em branco e minha comunicação com os leitores mais silenciosa do que a noite em um cemitério. Devo enterrar essas idéias para sempre na minha fonte inesgotável de mentiras incoerentes!

6 de jun. de 2012

Mariana


Mariana, minha amiga leal
Com você aprendi o mundo
Letras perdidas na minha vida
Páginas viradas sem o tempo
Prólogos sem amor de verão
Epílogos sem bater meu coração.

Sua risada é a mais engraçada
Seu vôo o mais alto possível
Seu mergulho entre ondas encantadas
Seduz até o homem mais invencível.

Sua espada banhada de esplendor
Sua armadura coberta de diamante
Transforma a guerra em dia de paz
E uma noite de tempestade em relaxante.

Mariana, minha amiga guerreira
Com você aprendi a persistir
Deixei os outros em segundo plano
No jogo da vida cheguei a vencer
Suas peças eram fáceis de manusear
E com elas impossível te derrotar.

Mariana se houver amanhã
Ame e domine a mente
Ria de minhas piadas
Ilumine seu sorriso efervescente
Deixe as pegadas na areia se perder
Seja corajosa não há nada pra se temer!

Mariana, Mariana, Mariana
Como posso falar de você?
Uma jogadora implacável
Com o caminho voltado de luz
Seu vestido rasteja pelo mundo
Encantando o ser humano mais profundo!

5 de jun. de 2012

Lembranças

  Na infância te vi
  Assoprando as velinhas
  Era um tempo feliz
  Que nunca mais vinha.

  Quando fiz o desejo
  Eu queria se adulto
  Acabei cuspindo no bolo
  E ficando de luto.

  O passado traiçoeiro
  Deixou-me na corda bamba
  Quando criança era fácil
  Acabar tudo em samba.

  Eu fui muito feliz
  E a página virou
  Foi no próximo capítulo
  Que o meu mundo desmoronou!

  De um menino divertido
  Para um garoto assustado
  O tempo passou
  E eu voltava ao passado.

  Queria ser quem não fui
  Sofri muito por amor
  Lembro dos dias que chorei
  Por não expressar minha dor.

  Não foi um amor qualquer
  Foi um amor universal
  Faria tudo de novo
  Sem pensar no final.

  Nem tudo foi trágico
  Vivi dias de rei e diversão
  Não sei se era real
  Não sei se era ilusão!

  Como pude esquecer você?
  Meu menino angelical
  Se perdeu no sol e na lua
  Na confusão de um mortal!

  Seria uma morte?
  Por que não teve enterro?
  Sua alma foi embora
  Com o negro nevoeiro.

  Quando criança um adulto
  Quando adulto uma criança
  Foi tirado a minha bagunça
  E o sorriso de esperança.

  No labirinto do coração
  Passa a hora, passa a hora
  O coelho vem correndo
  E se tiver que ir embora?

  Não quero nem pensar
  Naquela morte abstrata
  E se tivesse acontecido?
  Minha carta era marcada!

  O revólver não disparou
  O que seria de mim?
  Se tivesse disparado,
  Chegaria logo o fim!
 
  Como eu posso amar
  O vilão e a mocinha?
  Sempre estive ao seu lado
  Nunca te deixei sozinha!

  Acordei com barba e alto
  O gosto da bala sumiu
  Acordo procurando a criança
  Que a tempos já partiu.

  Agora estou com medo
  Não quero descobrir a verdade
  É melhor ficar na mentira
  Fora da realidade...

  Foi na hora do espanto
  Que comecei a escrever
  Por favor feche a cortina
  O espetáculo ninguém vai ver.

  Saí daqui, fechei a porta
  Por favor pare de ler
  Vou trancar o meu portão
  E lá em casa me esconder.

 Pare de me seguir
 Com esse olhar aterrorizante
 No vale vejo a sombra
 Dos pesadelos mais marcantes.

 Não tenho mais força
 Estou morrendo sufocado
 Por favor me estenda a mão
 para eu estar ao seu lado!

 Sua beleza, sua vaidade
 Rastejando pelo chão
 Apodrecendo o orgulho
  E essa face de machão.

  Cade aquela criança?
  Onde está a inocência?
  A bondade foi embora
  E ficou a violência.

 Ando pelas ruas
 Diariamente na mesmice
 As vezes falo besteira
 Outras falo tolice.

 Ninguém pode saber
 Dessa fraqueza parcial
 Quando perguntam se estou bem
  Abro um sorriso, estou normal!

3 de jun. de 2012

Sentimento Implacável


"Algumas pessoas gostariam que suas vidas fossem um verdadeiro filme, outras que apenas fosse realidade".

Edmund York III estava sentado na cama junto com Elizabeth Britton, na mansão York localizada no Maine, Estados Unidos.

Com suas mãos agarradas ao rosto da jovem garota inglesa, Edmund declarava todo o seu amor.

-Olhe no fundo dos meus olhos, minha Lady. E diga que não sente o mesmo por mim.

Elizabeth olhava tudo aquilo aterrorizada, vivia como uma prisioneira desde os tempos em que colocou os pés naquela maldita mansão, cheia de regras onde os poderosos mantinham as suas vontades, perante os pobres fracassados.

-Eu te odeio Edmund. Com todas as minhas forças, eu quero que Vossa Majestade apodreça no inferno- dos seus lábios dava para ver a saliva saltando diante da tamanha raiva que nutria dentro do seu coração.

Apertando a região do seu queixo com mais força, Elizabeth chegava a resmungar de dor, quando príncipe York a ameaçou:

- Você não tem escolha, princesinha- Soltando o rosto da garota, o galante York se encaminhou em direção a porta- Até o dia do nosso casamento, ou você espera eu abrir essa porta com o seu corpo vestido de noiva ou pode se jogar da varanda e me deixar ir pra Inglaterra cuidar um pouco do seu "doentinho" pai. Acho que ele adoraria alguém para cuidar do seu legado nos seus últimos suspiros de vida- com um breve sorriso, Edmund saiu do quarto e trancou a porta, deixando Elizabeth prisioneira até o dia de seu casamento.

Deitada na cama com os olhos banhados de lágrimas, aos poucos ela começou a afagar o travesseiro. Seu choro era o único som que ecoava pelo luxuoso quarto com móveis decorados de prata veneziana. Ela sentia-se perdida num mundo que não era seu, encurralada de todos os lados por pessoas consideradas inimigas, não podia mais confiar em ninguém, seria impossível sair do país sem o consentimento do todo poderoso herdeiro York.

De repente não estava mais sozinha, mas sim com várias pessoas a sua volta e não era mais Elizabeth e sim Isabel Wickon, uma jovem e famosa atriz de Hollywood. Henry Lion, o ator que fazia Edmund York III, logo foi ao seu encontro, com um forte abraço ele disse em seu ouvido.

-Você estava fantástica! Parece que você realmente conseguiu encontrar a alma de Elizabeth. Em seus olhos azuis conseguia vislumbrar um oceano tão turbulento de ódio que eu pensei que você fosse capaz de me matar. Realmente brilhante.

Desde em que eles começaram a gravar "O Brilho do Poder", Henry sempre tinha sido muito fervoroso em seus elogios em relação a sua atuação, já que ela dispunha de mais experiência por ter ganhado o Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante no filme "Bravo Universo". Já o seu companheiro não apresentava esse mesmo prestígio em sua curta e promissora carreira.

-Obrigada pelos elogios Henry, você também estava fantástico!

O diretor era bem acolhedor em suas críticas, dizia que eles formavam uma ótima dupla e que eram perfeitos para viver os protagonistas.

Depois das filmagens Isabel saiu de carro direto para o hotel, quando parou no portão do estúdio e observou Henry com os cabelos negros levantados pelo vento e com um cigarro entre os dedos. Ficou ali por alguns segundos observando o jovem ator fumar. Até o momento em que ele a viu e ela desviou o olhar, porém foi inevitável, ele já corria em sua direção gritando o seu nome.

-Espere Bel, para onde você esta indo?

-Estou indo para o hotel Crowne Plaza Hollywood Beach Resort, onde estou hospedada durante as filmagens- disse ela sorrindo. E você pra onde esta indo?

- Estou hospedado no Hollywood Blue Sky- Isabel fez um sorriso forçado, já que aquele hotel era de baixíssimo nível- E estava pensando se você não poderia me deixar lá perto, você sabe onde fica?

"Infelizmente sei", pensou ela.

- Não sei. Desculpa, peça um táxi aqui na portaria, acho que seria uma escolha mais apropriada, eu posso acabar atrapalhando o seu percurso.

Aproximando-se mais dos cabelos dourados da linda atriz, Henry falou:

- Você nunca atrapalharia o meu percurso, o destino que você decidir será muito bem aproveitado por esse humilde passageiro.

Corada e encantada com aquela voz doce feito mel e aqueles olhos escuros como a noite. Isabel decidiu aceitar a companhia daquele jovem cavalheiro até o seu hotel.

-Pode entrar. Eu vou deixá-lo no hotel.

-Mas você disse que não conhecia onde ficava quem sabe eu consigo um quarto no hotel que você esta hospedada?

- Fique quieto e entre no carro- sua voz era de que estava ficando exausta com aquela longa conversa.

Assim que Henry entrou no carro, partiu logo para os agradecimentos.

-Obrigado pela ajuda- disse ele ao mesmo tempo em que colocava o cinto de segurança.

Durante todo o percurso, Henry não parava de fazer perguntas para conhecer melhor sobre a vida que Isabel dispunha no dia a dia.

-Porque você decidiu ser atriz?

- Desde pequena sonhava com isso, aos quatorze anos assisti ao filme 'Beleza Americana' e vi aqueles jovens atores cheios de vitórias e glórias com o Oscar do filme e suas belas atuações me levaram a querer participar do grupo de vencedores no mundo. E esse era um jeito mais fácil de conseguir, já que nas outras carreiras, tenho certeza que não possuo nenhuma aptidão.

- Entendi. Garota decidida- disse ele- Poucas pessoas no mundo descobre a sua grande qualidade, e você parece ser tão firme em suas decisões.

Depois de várias perguntas e de eles terem se conhecido bem melhor, Isabel apreciou o senso de humor de Henry que sempre que perguntava sobre algo mais íntimo, oferecia uma bala para quebrar o silêncio e os dois caírem numa divertida gargalhada.

Quando chegaram ao hotel, não tinha mais nada que os dois pudessem fazer, a faísca já tinha feito um estrago imenso, a porta do quarto de Isabel foi aberta com um estrondo e os dois entraram com beijos quentes e demorados, batiam em vários móveis enquanto ela conduzia o seu corpo até o sofá, lá os dois se jogaram e Henry ficou deitado em cima dela, sem economizar no beijo ele beijava todas as partes do seu corpo aos poucos.

-Eu chamo isso de banho de beijos- disse ele ao beijar seus lábios, descer até os seus pés e voltar a beijar o corpo inteiro até chegar aos seus lábios novamente.

-E eu chamo isso de paraíso- disse ela ao olhar para aqueles olhos escuros com certo brilho estrelar.

- Eu ainda não te mostrei nenhum paraíso, pode ter certeza.

- E nem vai mostrar. Estamos contracenando juntos. Nunca me envolvi com alguém que eu estava contracenando, então ,por favor, vamos esperar tudo isso acabar.

Com os lábios fazendo uma mini careta, ele pronunciou:

-Não sou nenhum Edmund, espero que você saiba disso.

-E se eu disser que sou uma Edmund de saia?

-Ficaria encantado e ao mesmo tempo com medo.

-Eu vou te mostrar o que é ter medo quando eu começar a ficar brava. Agora chega de palhaçada, se você quiser pode passar essa noite aqui. Porém vai ter que dormir na sala.

-Aceito o convite. Mesmo ele não apresentando tanto entusiasmo da anfitriã.

Após jantarem no salão do hotel, eles voltaram para o quarto e Henry ficou no sofá enquanto Isabel já se encaminhava para o seu quarto, quando ele disse:

-Eu não mereço nem um beijo de boa noite?

-Deixa-me pensar- depois de uma breve pausa ela continuou- acho que vou deixar pra amanhã na hora do bom dia. Durma bem.

-Ótimos sonhos pra você também.

Isabel fechou a porta com certo alívio, não queria se envolver mais com Henry, tinha feito apenas um favor, e eles tinham passado um pouco dos limites, porém a relação já tinha se restabelecido. Tinha que se concentrar no seu trabalho, que era a única coisa que importava naquele momento.

Deitada na cama, Isabel teve poucos momentos de reflexão, logo caiu num sono profundo, onde teve a sensação de não ter sonhado com nada. Aos poucos ela foi acordando com um acesso de tossi de Henry na sala. Cuidadosamente ela abriu a porta do seu quarto e viu que ele estava todo encolhido no sofá, com seus lábios fechados e cara de anjo.

Ela pegou um cobertor no armário e com passos lentos para não fazer muito barulho, Isabel cobriu o corpo de Henry dos pés aos ombros.

-Boa Noite, querido- disse silenciosamente, ao mesmo tempo em que acariciava seu liso cabelo com de carvão e beijava sua testa suavemente- Durma com os anjos!

No dia seguinte, nada de mais aconteceu, eles mantiveram o mesmo tratamento cordial do final da noite e apressaram-se para o início das gravações, durante o percurso os dois pouco se falaram, na maior parte do tempo ficaram ouvindo música clássica.

E as filmagens enfim haviam recomeçado.

-Sabe de uma coisa, Elizabeth. Se a senhorita não fosse tão implacável, nós poderíamos ter um casamento dos sonhos.

Elizabeth enfiou um tapa na cara de Edmund quando ele resolveu se aproximar.

-Não toque em mim, seu monstro. Qualquer mulher que casar com você passará por um enorme pesadelo- e cuspiu na sua cara- Tire as suas mãos de mim, caso contrário gritarei aos quatro ventos a sua verdadeira identidade.

-Corta- disse o diretor irritado- O que esta acontecendo Bel? Parece que você esta com receio de bater em Henry. Essa cena ficou extremamente artificial, eu via em seu olhar como suas palavras eram vazias jogadas ao vento, e seus gestos não saíam com nenhuma naturalidade. Elizabeth não pode ter nenhum sentimento bom em relação a Edmund.

-Desculpe, diretor. Vou fazer da melhor maneira possível da próxima vez.

Uma.

Duas.

Três

Quatro vezes. E a interpretação de Isabel só piorava, não conseguia mais ver Henry como Edmund. Ele era apenas o Henry vulnerável e com frio da noite passada, era apenas o garoto sonhador que apreciará a sua garra, era apenas aquele palhaço que adorava fazê-la rir.

O diretor no final do dia chamou Isabel para uma conversa.

- Precisamos de sua concentração, aconteceu alguma coisa pessoal com você, gostaria de algumas férias?

Com os olhos contemplando o vazio e seu rosto transmitindo o fracasso, ela respondeu:

-Não aconteceu nada demais. Amanhã estarei encarnada em Elizabeth e tudo voltará ao normal, só gostaria de pedir desculpas pelo imprevisto.

-Fique tranquila, Bel. Confiamos no seu trabalho. Tenho certeza que amanhã as cenas serão gravadas com perfeição.

Com passos rápidos e precisos, Isabel se encaminhava para o carro, quando foi abordada por Henry no meio do corredor.

- Saía da minha frente, Henry. Caso contrário eu não respondo por mim.

Henry não valorizou nenhuma de suas palavras, agarrou o corpo de Isabel próximo ao seu e a abraçou de uma forma carinhosa, sem proferir nenhuma palavra.

Com raiva e brutalidade, quando aquele corpo a acolheu o seu primeiro gesto foi empurrá-lo para longe com toda a sua força. Henry se desequilibrou e caiu no chão, enquanto as palavras vermelhas de raiva de Isabel eram pronunciadas.

- Suma da minha vida. Se quiser me procurar, só quando acabar o filme, antes disso eu não quero que você se comunique de qualquer forma comigo. Esta entendido?

Sem olhar pra trás ela entrou no carro e foi embora para o seu mundo de raiva com o mundo e uma grande decepção. Porém nada disso fez os seus dias posteriores melhorarem, a cada dia que passava o diretor se mostrava cada vez mais descontente com o seu trabalho, e Henry era recebido com vários elogios pela maior parte da produção. Muitos pelos corredores diziam que ela estava sofrendo de um "ataque de estrelísmo", outros já diziam que ela nutria uma grande inveja pelo trabalho apresentado por Henry até o momento, A diferença em cena se tornava tão grande, que depois de duas semanas Isabel chamou o diretor para uma conversa e disse que não estava mais preparada para o papel, que ela sentia muito por todo o constrangimento, porém era impossível continuar as gravações. Com certa relutância, o diretor tentou entender a decisão, contudo Isabel havia sido determinada ao dizer que passava de pequenos problemas pessoais e que voltaria para a sua casa em Nova York imediatamente para resolvê-los.

Quando os dois ficaram face a face pela última vez, Isabel e Henry não conseguiram se falar, não era preciso, os dois sentiam o verdadeiro abismo frio que um sentimento mal resolvido poderia provocar, os dois sabiam que o amor muitas vezes era perigoso, tão perigoso ao ponto de pessoas matarem as outras, os dois sabiam que a glória era conquistada com muita persistência e força de vontade acima de tudo. Os dois sabiam respeitar um momento triste. Isabel e Henry sabiam o mais importante. Só o tempo para cicatrizar aquelas feridas tão dolorosas. O amor em excesso é destruidor, o amor escasso é desanimador e o amor em dose certa é idêntico a perfeição de uma bonita flor.

No aeroporto, antes de entrar no avião Isabel olhava Hollywood com os olhos cheios de lágrima, era melhor pensar que não era uma despedida, mas sim um até breve. Dentro do avião sentada na poltrona, ela tirou uma foto de jornal na sua bolsa de Thora Birch, Mena Suvari e Wes Bentley abraçados com o título: "Beleza Americana foi aclamada pela crítica com 5 óscares e com adolescentes interpretando com perfeição!.

"Um dia trabalharei num dos melhores filmes de todos os tempos, um dia serei uma atriz respeitada internacionalmente, um dia...", pensou Isabel repleta de sonhos que pareciam tão distantes como a lua de seus pés. O avião decolou levando embora uma promessa, como tantas outras que não tiveram um final feliz.

Dois meses depois Henry estava interpretando com Maria Bueno, uma das últimas cenas do filme "O Brilho do Poder".

Elizabeth estava linda com o vestido de noiva, sua face pétrea não demonstrava nenhum sentimento durante toda a cerimônia, seu "sim" foi tão frio como a escultura de gelo próxima a mesa do bolo. Ninguém dizia uma só palavra sobre o seu comportamento, agradar ao senhor Edmund era o que todos na festa pretendiam contrariar as suas decisões poderia significar morte, ou se tivesse sorte uma pequena tortura ou destruição.

Após a cerimônia, Edmund e Elizabeth ficaram no quarto.

-Eu até que deixaria você dormir comigo, princesa. Mas, tenho certeza que a senhora não se comportaria de maneira adequada durante a noite- disse Edmund com um sorriso malvado no rosto.

Antes que ele pudesse sair, Elizabeth pegou-o pelo braço de surpresa e jogou-o no chão, dentro do vestido ela tirou uma faca e apontou para o rosto do Senhor York.

-Agora quem dita ás regras aqui sou eu...

-Como você conseguiu is...

-Cala a boca- disse ela enquanto chutava o rosto de seu marido, aos poucos ela começava a se aproximar com a faca de seu rosto, Edmund com as mãos empurrava seu corpo cada vez mais pra trás.

De repente não era mais Elizabeth com a faca, e sim Isabel, ela começou a gritar:

-O que você fez com a minha carreira, Henry? Você destruiu todos os meus sonhos, se aproveitou só porque eu tinha mais fama. Eu sou a estrela desse filme- e a faca começava a se aproximar, Henry conseguiu ficar em pé e andava de costas, com medo do golpe mortal.

Sem pensar em nada, da forma mais automática possível, ele falou:

-Eu te amo, Isabel. Não faz isso comigo. Você não sabe como eu fiquei triste quando você me deixou, sonho com você todas as noites, aquele seu jeito protetor. Eu vi o momento que você me cobriu, porém fingi que estava dormindo, senti seu beijo com carinho senti o amor que muitas vezes foi negado pra mim. Naquele momento eu senti que alguém realmente se preocupava comigo. Seu beijo esquentou minha pele, seu carinho esquentou minha alma e seu gesto despertou meu sentimento.

Com as mãos estendidas ao céu e a faca no lugar mais alto, pronto para o golpe final. Henry recuou tanto que ficou próximo a varanda, e de tanto recuar e de tanto fugir, acabou se desequilibrando ao mesmo tempo em que via o rosto de Isabel repleto de ódio e seus lábios vermelhos como o sangue dizer:

-Mentira!!

O corpo de Henry começou a cair no vazio, numa distância de três metros e meio até o chão, no momento em que caia, lembrava do olhar curioso de Isabel quando ela estava no carro observando Henry fumar, lembrou do olhar de realização de Isabel ao receber o elogio de Henry na primeira cena em que gravaram, lembrou do olhar de ódio de Isabel quando se viram pela última vez. Lembrou, lembrou, lembrou...Só Isabel conseguia preencher a sua mente.

Quando acordou o doutor disse que tinha fraturado duas costelas e que fora isso ele estava bem. Apenas o pessoal do estúdio tinha visitado Henry no primeiro dia. Todos disseram que de uma hora pra outra,Henry havia ficado mudo e transmitia um medo de se elogiar. Após isso ele ficou o tempo todo sozinho, esperando alta para voltar ao final das gravações. Demorou uma semana para esse desejo se realizar. Porém o diretor tinha gostado do resultado final e deixou aquela cena como a da morte de Edmund. Seu trabalho no filme já tinha se esgotado, no final Elizabeth era a nova herdeira dos York, e em vez de ser boa no seu legado, virou a pior de todas as proprietárias daquela casa, e governou com mãos de ferro, tão ruim quanto o próprio Edmund.

Henry fazia as malas para sair do hospital, quando a enfermeira veio lhe comunicar com havia uma visita do lado de fora lhe esperando.E ele autorizou a sua entrada.

Isabel estava graciosa naquele vestido branco, ela andava pela porta como uma Lady, tão delicada quanto Elizabeth no seu momento de ingenuidade, os dois não esperaram um longo olhar para se abraçar.

-Você não sabe como eu sonhei com esse momento- e depois de um grande momento abraçados ele disse uma frase que rendeu aos dois boas gargalhadas e um tapa em seu braço- Só não aperta muito que minhas costas estão doendo.

- Não precisa se preocupar, eu vou cuidar muito bem de você- Isabel não sabia qual seria o futuro dos dois, afinal eles tinham ainda muito que se conhecer, só que ela sabia que queria tentar amar aquele ser humano, conhecer seus erros e suas qualidades, e mesmo assim nunca perder o encanto.

O amor não tinha poção, nem receita, nem mesmo era racional. Contudo, era o sentimento mais precioso e podia levar qualquer um ao lugar mais alto do mundo, e tê-lo era muito mais importante do qualquer dinheiro, luxo e holofotes da fama.

Isabel e Henry se beijaram diante do flash de uma máquina fotográfica de um paparazzo.

Amanhã eles estariam nas revistas, rumo ao estrelato!