30 de jan. de 2013

A Mágica da Cartola


  Desde a minha infância queria mergulhar nos segredos gelados do oceano e voar pelas nuvens da verdade. Andava pela calçada à noite e o vento penteava o meu cabelo e afagava o meu rosto. As garotas me olhavam na rua, naquele jogo mortal onde a escolhida poderia me levar a uma felicidade eterna ou a um poço de tristeza, conforme o espelho da convivência mostrasse o nosso verdadeiro reflexo. Depois de alguns meses usando as máscaras da idealização, logo elas cairiam e trariam a tona faces cheias de cicatrizes marcadas pela vida. Podíamos ser bonitos por fora, mas estragados por dentro.
   Preferi não me arriscar, cada passo em falso com o amor poderia colocar a vida de muitas pessoas em risco. Fiquei contemplando o meu tabuleiro de xadrez na expectativa de qual seria a minha próxima jogada, ainda havia muitas lições e mistérios sobre a vida que eu não tinha conhecimento. Jogava no escuro, procurando fazer mágica e vencer. Nada de receita de bolo, ouvia sim a experiência que os outros tinham para me passar, mas preferia acreditar nos meus próprios instintos.
   Olhava para os lados, não havia nenhum jogador para me desafiar. Eu continuava manuseando as minhas peças. Quando o meu cavalo negro chegou do outro lado do tabuleiro, o jogo se aproximava do fim. A mulher mais fantástica do mundo surgiu daqueles contos de fada antigo, fiquei admirando toda aquela beleza flutuar pelos sombrios corredores do meu coração, ela preenchia todo aquele buraco negro que eu gostaria de esquecer.
   Fiquei confuso. Não sabia o que fazer. A cada dia eu perdia uma peça, aos poucos eu descobri que o jogo não importava mais, joguei o tabuleiro pelos ares. Coloquei uma aliança dourada como o sol em seu dedo. Pedi-lhe em casamento, desisti de tudo! Andei por um corredor banhado de luz, o padre disse todas aquelas palavras dotadas de esperança e de glória. Como se tivéssemos a certeza de que seríamos felizes durante toda a nossa existência.
   Fizemos amor sem pensar no amanhã. Olhamos as estrelas e dissemos palavras bonitas um ao outro. Estávamos encantados, enfeitiçados. Eu apaixonado por uma pessoa que eu não conhecia que era eu próprio numa versão mais perfeita, e ela apaixonada por tudo. Éramos um só, e não éramos ninguém.
   Num toque de mágica nosso casamento perfeito foi se despedaçando, a cada dia a mágica diminuía. Eu olhava para o tabuleiro espatifado no chão e ficava com um desejo de voltar a jogá-lo. As estrelas não pareciam mais tão encantadoras, nem as juras de amor verdadeiras. Parecia uma piada se os dois tempos distintos fossem colocados no mesmo local.
   Corri para a Igreja, procurando uma luz, um fio de esperança. Lá os anjos riram da minha cara, como se eu fosse quem não sou. E eu realmente não sabia quem era. No final acho que ninguém sabe, fingimos que sabemos. Voltei para casa transtornado. O padre só falava coisas boas, e minha vida no mesmo caos. Foi quando eu vislumbrei o alto do meu armário, minha esposa não estava lá para ver a encantadora cartola mágica reluzir como num filme sobrenatural. E foi nesse momento que eu descobri todas as respostas para o meu mundo rodeado de labirintos. A minha vida precisava de um toque de realidade, só assim as coisas voltariam a prosperar. E se minha esposa não continuasse comigo, o nosso amor não era sincero. A naturalidade das pessoas pode nos levar a um mundo mágico,sem nenhum segredo ou fraqueza para esconder. Agir calculadamente para agradar os outros pode trazer uma linda fantasia que no final não passa de um tenebroso pesadelo!

16 de jan. de 2013

O Vilão V (Final)


  Joinville-SC
 

Vinte e Cinco anos atrás





- E o príncipe cortou os espinhos feitos pela bruxa má. O que ele mais queria era salvar a sua amada da maldição do sono, e para isso precisava destruir a bruxa e beijar a princesa. Um amor puro e imortal, capaz de encantar gerações...
- Robin Hood era o típico herói que causou grande alvoroço na história, a sua capacidade de jogar na cara das pessoas a desigualdade do mundo em que vivemos e usar do mal para fazer o bem trouxe um grande questionamento para a sociedade. Será que não existem vilões com cara de mocinhos? E mocinhos com caras de vilões? Esses rótulos sempre foram muito pejorativos. Se o ser humano aprendesse a respeitar mais o próximo o mundo teria menos derramamento de sangue. A violência começa quando o homem aprende a pensar em si mesmo. Para cada pessoa, ela é o mocinho, e para cada inimigo, o vilão. Estou farto dessas histórias cheias de branco e preto, certo ou errado. Irei ler para você histórias com tons de cinza. Onde as pessoas são fracas e fortes, ruins e más dependendo do ponto de vista. Mas acima de tudo, são pessoas!
  Otávio ouvia todas essas histórias com bastante atenção. Desde que encontrara Alfred no orfanato com o seu livrinho mágico, não sentia mais tanta fome, nem tanto frio. As histórias o comoviam e o faziam viajar para outro lugar. Adorava escutar histórias de amor, ficava imaginando em salvar a sua donzela no alto de uma torre com bichos das trevas, derrotaria cada um deles cheio de honra e levantaria a sua espada, selando assim a sua vitória! Até o dia em que Alfred falou que contaria histórias que aconteceram de verdade.
  A primeira delas foi a Revolução Francesa. Alfred relatou todo o sofrimento dos camponeses e toda a futilidade da nobreza, com seus namoros de verão e romantismo a luz de velas. Porém, nenhum desses cavalheiros franceses pensava na desigualdade vivida pela sociedade, queriam apenas usufruir do grande amor e fechar os olhos para a situação lastimável da sociedade.
  Quando Alfred terminou de contar essa história ele perguntou:
-Então, Otávio, você é um nobre ou um camponês?
-Sou um camponês, Alfred. Cheio de feridas no coração.
  Aquelas histórias haviam aberto os seus olhos para o mundo. Otávio começava a entender melhor as pessoas. Naquela noite, enquanto sentava no chão frio, um pensamento atingiu a sua mente.
   Pensei que viveria uma linda história de amor, porém descobri que sou incapaz de amar.
   Dormiu com aquele pensamento. "Robin Hood" e " A Bela Adormecida" eram suas histórias favoritas. Sonhou pensando nas duas juntas. Com um mundo justo e um grande amor!

Dias Atuais
  O Capitão Christian estava no barco Príncipe quando policiais de Florianópolis o abordaram.
-Recebemos uma denúncia- disse o policial- Temos permissão do governo para revistar o barco.
  O Capitão Christian colocou a sua mão na arma, mas logo a largou, dez policias apontavam as armas em direção a sua cabeça.
-Deixe a arma no chão, Capitão- Christian obedeceu e deixou que os policiais vasculhassem o barco.
-Encontramos os corpos dos empresários desaparecidos e dos herdeiros da maior empresa automobilística do país- disse um policial baixinho.
-Quem esta por trás disso?- perguntou o policial que parecia liderar o grupo.
-Eu não sei.
-Sabe sim- disse o policial que chutou a cabeça do capitão- Fale, se você não quiser virar comida de peixe.
 - O prefeito. Ele esta por trás de tudo isso.
 Os olhos do policial ficaram surpresos com essa revelação.
-Chame força máxima- disse ele no rádio- Estamos próximos de iniciar uma Revolução.

-Qual é o seu nome?- perguntou Suzana para o soldado que a fez feliz nas últimas horas. Agora ela vestia uma calça jeans nova e uma blusa preta. Sentia-se uma princesa.
 -Digamos que eu sou o seu anjo da guarda- disse ele, fazendo carinho na sua cabeça.
  Nesse momento um dos soldados bateu a porta aflito e disse:
- A polícia de Florianópolis descobriu tudo, o governo está concentrando força máxima para nos destruir. Precisamos ir às ruas. Lutar pelo nosso povo.
  Seu anjo da guarda beijou-lhe a face.
-O dever me chama, garotinha. Logo estaremos ju...
  Foi quando um barulho de tiro fez as suas palavras se perderem. Antes que Suzana dissesse adeus, os soldados já estavam na rua, prontos para a guerra. Ela fechou os olhos e colocou as mãos para proteger os ouvidos, não sentia mais fome, nem frio. Sentia tristeza. O mundo era injusto.
  O barulho de tiros foi se intensificando, suas mãos já não eram suficientes para proteger-lhe o ouvido dos barulhos. Foi quando decidiu agir por conta própria e saiu para a rua. A noite estava esplêndida, com uma lua cheia soberana no céu.
 Joinville derramava lágrimas, sangrava. Ela começou a correr pela calçada e viu soldados caídos na rua, uma tropa de policiais com escudos invadia a rua.
- O que você está fazendo aqui, garotinha? Volte para a casa- falou um deles.
-Estou procurando o meu amigo. Não posso voltar.
- Volte para a sua família, a cidade esta perigosa. Corra, rápido.
- Não tenho família- E ela saiu correndo em direção à rua em que os policiais haviam entrado. Alguns correram atrás dela, mas Suzana sabia correr muito bem, desde nova a sua vida havia sido uma aventura. Era obrigada a fugir das dificuldades sempre, e os policiais com escudos pesados nas mãos não conseguiram alcançá-la quando ela virou a rua e deu de cara com o seu anjo da guarda.
  Seus olhos estavam sem vida, havia um buraco no meio da sua testa. Um sentimento estranho invadiu o seu coração, sua fantasia havia durado pouco tempo, isso era muito injusto. Merecia mais, merecia uma vida digna, uma oportunidade para sonhar.
 Suzana sentou na calçada e ficou ali contemplando o seu anjo da guarda com lágrimas nos olhos. Ouvia os tiros, os gritos, o sinal da guerra. Dois exércitos marchavam, um contra o outro. Alguns morriam, outros matavam. Ninguém sabia o motivo, eram inimigos sem ao menos se conhecerem.
 O vento gelado atingiu a sua pele, Suzana foi lentamente deitando na calçada. Agora sentia frio, fome, tristeza.
 Quero morrer, pensou ela.
 Gentilmente, ela fechou os olhos do seu anjo da guarda e beijou-lhe a face, fria. Nesse momento ela viu a sua grande salvação, ele estava sentado no cano de uma arma, era quase imperceptível.
 Achei minha salvação. Viverei como uma princesa, pensou ela.
 Puxou o gatilho e pôs um fim nesse mundo de injustiças!

  Alfred levantou-se e colocou uma chave prateada nas mãos de Otávio.
 - Parabéns!- Ele abriu os braços e os dois se abraçaram fortemente, quando os dois se distanciaram, Alfred continuou- Vejo que não precisa mais dos meus serviços! Essa jornada de vinte e cinco anos está chegando ao fim.
 O mordomo se encaminhava para a porta com a cabeça curvada quando Otávio pegou-lhe pelo braço.
 -Só queria que você soubesse que fiz tudo isso por amor- suas lágrimas não conseguiam cair dos olhos.
 -Isso é o que você quer acreditar, Otávio. Sua vida não foi nada fácil. Uma criança passar por aquilo que você passou... Abandonado pelos pais, rejeitado por duas pessoas que não amavam nem a si mesmo...
 -Esquece isso, Alfred. Eu descobri o verdadeiro significado do amor. O respeito acima de tudo. Uma pessoa me ensinou que quando eu levar um tapa é melhor não reagir, e sim dar a outra face para bater.
 - Muitas vidas foram sacrificadas pelo seu senso de justiça. Você não acha que cometeu algumas injustiças?
  Otávio não sabia responder a essa pergunta. Não queria respondê-la. Deu as costas para Alfred para sempre. O destino o havia colocado em sua vida para ele aprender a ser o mocinho da história. Aquelas lições de moral serviam para torná-lo a melhor pessoa do mundo.
  Com erros e acertos, Otávio ficou com medo do futuro. Não sabia o que esperar. Descia as escadas rumo ao porão, as paredes pareciam rir das suas fraquezas. Descia, descia até encontrar uma porta velha de madeira. Enfiou a chave na fechadura e girou. Empurrou a porta. Os últimos segredos estavam prestes a serem revelados.

 Teodoro havia acabado de despertar de um pesadelo, onde dois homens encapuzados batiam na sua cabeça com pedaços de madeira até levá-lo a morte, quando viu Otávio em frente a porta do porão.
   Um brilho de surpresa atingiu o seu olhar. Durante seis anos era Alfred que cuidava da sua prisão. Agora que estava de frente com o seu irmão não conseguia dizer uma palavra.
   O prefeito viu Teodoro num estado lamentável, suas pernas e mãos estavam algemadas, vestia uma roupa branca imunda e rasgada. Usava fralda, Alfred cuidava todos os dias de suas necessidades e dava comida na sua boca. Teodoro sentia uma imensa tristeza, queria gritar com o cara que havia destruído a sua vida, queria matá-lo. Mas não tinha forças para falar, não tinha forças para andar. Não tinha forças nem para chorar no momento.
  - Seis anos- disse Otávio- Você não sabe como eu senti a sua falta. Todos os dias eu sonhava com esse momento, meu irmão- Ele aproximou-se e acariciou a face de ódio do irmão de cabelos dourados e pele branca como a neve.
  Teodoro começava a chorar. A raiva atingiu o seu coração e era impossível conter esse sentimento. Tinha que expressá-lo de alguma maneira.
  - Queria deixar claro que fiz tudo por amor- Otávio também chorava- Eu sempre pude contar com você, Téo. Minha vida no orfanato era uma tortura, no meu coração só havia espaço para ódio e vingança, mas quando eu fui adotado pelos seus pais, tudo havia mudado. Ter uma família para alguns pode ser a coisa mais normal do mundo, mas para mim era um sonho-Ele fez uma breve pausa e respirou profundamente- Não havia ciúmes, você me emprestava os brinquedos mesmo quando eu não merecia. Fazia tudo para você me odiar, mas você sempre me amou. E eu não sabia o que era amar, foi difícil eu aprender a usar esse sentimento dentro do meu coração. Eu queria ser você, te admirava mais que tudo, seu jeito forte de ser, na escola o meu irmão era sempre o mais amado pela turma, porque você respeitava o jeito de todos. Não importava se estava com os tímidos, com os nerds ou com os populares. Seus ideais eram únicos! Teodoro de Alcantra sabia o que era justiça e amor.
- Comida- falou com fraqueza Teodoro, seus lábios estavam brancos.
  Otávio pegou um prato que estava em cima da mesa e começou a dar-lhe comida na boca. Seu irmão estava muito debilitado, mais branco do que podia ser possível. Parecia um morto-vivo.
- O tempo foi passando e o seu carinho por mim continuava o mesmo. Terminamos o colégio quando você decidiu fazer um intercâmbio para Londres. No começo entrei em desespero com a perspectiva de ficar sem a pessoa mais fantástica do mundo ao meu lado. Pode soar egoísta, mas era isso o que eu sentia. Depois fui me acostumando mais com a ideia, era só um ano mesmo... E eu esperei, contava os dias para que você voltasse e quando o dia tão esperado chegou, mamãe havia me dito que você ficaria por lá...
Seu irmão fez um sinal de negativo com a cabeça, sinal de que não queria mais comer.
- Você não vai me soltar? - perguntou Teodoro.
-Claro, havia me esquecido. Mil desculpas- Otávio pegou duas chaves que estavam em cima da mesa e libertou as mãos e os pés de seu irmão.
- Pode me matar- disse Teodoro- A minha vida já foi destruída mesmo, meus sonhos foram afundados no seu oceano de loucuras.
- Não quero te matar- Otávio tentou beijar a sua mão, mas Teodoro puxou-a com força- Quis apenas te proteger. Depois que eu te liguei implorando para você passar um fim de semana em Joinville. Encontramos-nos e eu coloquei um sonífero no seu copo para te proteger. Queria retribuir tudo o que você havia feito por mim. Uma pessoa como você não merece viver num mundo de injustiças, de violência. Esse é a minha grande demonstração de amor. Criei um mundo feito para você com segurança. Sua vida não corre mais risco, não tenho mais a possibilidade de te perder. A cidade nunca esteve tão segura!
 - Você não é o meu irmão. Eu não te amo mais, tudo o que eu sinto por você é raiva e desprezo. Se eu pudesse te mataria aqui mesmo. Seu louco, seu doente.
 -Tudo o que eu fiz foi pelo bem do povo, pelo seu bem.
  Otávio pegou Teodoro pelo braço.
-Deixa eu lhe mostrar a nova Joinville. Logo você vai entender tudo o que eu fiz, viveremos felizes meu irmão, pode apostar.
  Enquanto estavam subindo as escadas, Otávio falava de um de seus assassinatos com a maior naturalidade.
- Eu matei o meu irmão de sangue. Você acredita que ele veio me procurar só porque eu havia virado prefeito e havia conquistado poder? Essa vida esta cheia de interesseiros!
- Você acha que fez justiça?- perguntou Teodoro, que andava lentamente apoiado nos braços de Otávio, que havia ficado seis anos sem andar- Eu quero ver minha mãe, esses anos todos você me obrigou a falar para ela no telefone que eu estava bem...
- Era parte da surpresa. Por favor, diga que gostou do presente. Tudo o que eu fiz foi pensando no seu bem, um misto de justiça e amor.
  O silêncio atingiu os dois irmãos quando entraram na varanda. Teodoro ficou contente em vislumbrar o céu. Algo tão simples para as pessoas, pensou. Às vezes esquecemos como é belo.
 Otávio ficou olhando para as ruas de Joinville. Carros de polícia estavam indo em direção à mansão.
 - Eles vieram me buscar- falou Otávio com um ar de derrotado e com tristeza na voz- Parece que fui eleito o vilão dessa história por todos os leitores.
  Teodoro não dizia nada, apenas sentia o vento acariciar-lhe a pele, era tão boa a sensação de liberdade que ele esqueceu um pouco de todos os temores que havia passado durante esses seis anos.
  Joinville não era a mesma, a cidade tinha perdido a alegria dos risos e os gritos de terror. Havia sangue espalhado pelas ruas, quando a verdade libertou-se da caixa da incompreensão uma guerra tomou conta da cidade.
  O fogo havia terminado. A vida de Teodoro renasceria das cinzas, como uma fênix. Já Otávio seria acusado de todos os crimes.
- Você consegue me compreender?- perguntou Otávio- Podemos fugir e ter o nosso final feliz.
- Não posso, Otávio- Ele levantou as mãos para o céu e agradeceu- A nossa história acabou!

15 de jan. de 2013

O Vilão IV


“Alguns creem que a morte é um grande portal para outra vida, outros preferem acreditar em um eterno fim. Entre acreditar e temer esse infindável mistério da vida, busco apenas novas chances para recomeçar!”
  
  Joinville-SC
  Na Rua Campos Salles, soldados marchavam até a casa São Luís, onde ficavam as pessoas que não tinham lugar para dormir. O som de seus passos ecoava pela noite fria, suas expressões sérias mostravam que a guerra pela igualdade não havia ficado no passado com o fim da Revolução Francesa.
   Suzana, uma bela garota de oito anos dormia no chão com os cabelos negros bagunçados, a pele suja de terra e o casaquinho vermelho e a calça jeans rasgados. Seus pés descalços às vezes não a deixavam dormir nos dias de frio, mas dessa vez ela logo encontrou o caminho que a levava ao mundo dos sonhos. Lá a sua barriga não roncava de fome, as pessoas não a olhavam como um lixo e não se escondiam da sua presença.
   No mundo dos sonhos podia vestir meias bem quentinhas, podia fingir que tinha uma família, que tinha uma cama. Só pedia isso, pouca coisa para alguns, muita para outros.
   Quando as portas da casa São Luis bateram na parede com um estrondo, caras armados apareceram na porta, o seu coração começou a bater mais forte. Vários soldados entraram na casa e começaram a acordar as pessoas. Um deles foi de encontro a Suzana, mas ela nem sabia o que dizer, ninguém falava com ela pelas ruas. Será que eu sei falar?, pensou.
  - Vai ficar tudo bem- disse o soldado, acariciando o seu cabelo- Logo esse sofrimento chegará ao fim- Ele colocou a mão na arma- Feche os olhos e pense em algo bom.

  Seus pensamentos colidiam igual pipoca. Julieta não sabia como agir, tinha pouco tempo para tomar uma decisão que poderia colocar a sua vida em risco.
  Ficou olhando para Otávio, que já mostrava sinais de impaciência pelas faces, quando olhou para o seu sapato de bico fino e seu instinto falou mais rápido. Otávio foi acertado em cheio nas partes íntimas e Julieta começou a correr pelo jardim. Os gritos de dor dele rasgaram o silêncio, ela começou a andar entre as árvores rumo à entrada principal da mansão.
   Por enquanto estava a salvo, mas as sombras continuavam a persegui-la, Otávio poderia sair a qualquer momento daquela escuridão. Queria gritar, queria pedir socorro. Só que não podia, o prefeito poderia estar em qualquer lugar, pronto para matá-la!
    Uma chuva forte começou a cair quando ela resolveu descansar atrás de uma árvore, seu vestido branco estava sujo e a sua respiração ofegante.
   Faltava pouco para a entrada central e para a sua tão sonhada liberdade.
   Apalpou os seios em busca do seu celular no sutiã e lembrou que o havia deixado em cima da mesa da biblioteca. Levantou-se e continuou andando no meio das plantas para não ser descoberta, viu um dos guias indo de encontro ao outro quando berrou:
   -EI!- Seu berro foi silenciado pelo barulho de um trovão.
   -Você viu Julieta?- disse o vigia para o outro que respondeu com a cabeça em sinal de negativo- O chefe acabou de me instruir para não deixá-la sair da mansão em hipótese alguma.
  Julieta escondeu-se e chorou, estava sozinha.
 
  A chuva ainda caía forte. Seus longos cabelos dourados estavam encharcados. Devia relembrar seu plano pela quinta vez, qualquer falha poderia ser fatal. Primeiro entraria pela janela no salão de festas, depois seguiria até a sala de música e subiria pela escada externa para o segundo andar, e quando entrasse no corredor, viraria à direita e entraria na segunda porta, ligaria para a polícia e ficaria esperando o socorro no banheiro dos funcionários. Falando em funcionários, eles haviam sumido.
   Julieta observava a mansão encoberta pela escuridão, os raios no céu serviam para deixar aquela cena mais sinistra. Parece coisa de filme, pensou ela.
    Com as mãos apoiadas na janela da ala leste da casa, Julieta espiou para dentro do cômodo, não havia ninguém no salão de festas. Quando ela forçou a porta para abrir, a janela obedeceu aos seus comandos com a maior facilidade. Um convite para a morte. Fácil demais! Mesmo assim ela continuou executando o seu plano. Entrou no salão de festas. Acostumada com o escuro, logo Julieta encontrou o interruptor, apertou-o levemente e nada aconteceu. A casa estava sem luz.
    Lentamente, ela puxou a maçaneta e abriu a porta para não fazer nenhum barulho. Olhou para os lados, o corredor estava deserto. A sala de música ficava do outro lado, quando ela colocou a mão na maçaneta um barulho fez o seu coração saltar até a boca. Alguém estava tocando piano. Ela largou a mão da maçaneta, precisava ir para a sala, era arriscado já que esse cômodo dava acesso a todos os lugares da mansão.
    Tã Tanan Tanananan Tananan
    A música clássica despertava tristeza e solidão, combinação perfeita com a chuva forte e com uma brincadeira de esconde-esconde que parecia valer a vida.
    Quando entrou na sala, mãos frias seguraram a sua boca, apertaram o seu nariz e puxaram-na para trás. Otávio estava escondido atrás da porta.
    -Agora você vai morrer, meu amor.
    Julieta deu uma cotovelada em sua barriga e começou a correr rumo às escadas, ela pulou os degraus de dois em dois, até o instante em que Otávio pegou no seu pé e quase a levou consigo lá para baixo.
    Um barulho e um grito de dor foram importantes para anunciar que Julieta tinha tempo de sobra para chegar à biblioteca. Porém, quando chegou lá, a porta estava trancada.
    -Amor- gritou Otávio- Estou chegando- Suas palavras saíram vagarosamente num tom de piada.
   Otávio sempre dizia que ela nunca poderia ir para o terceiro andar. Talvez lá esteja a minha salvação, pensou ela. Correu, correu até encontrar uma porta de madeira antiga no topo da escada. Empurrou-a e foi atingida por uma luz!
  
   Com os olhos fechados, Suzana foi guiada até outro cômodo quando o soldado autorizou que ela abrisse os olhos. Uma extensa mesa cheia de comida apareceu na sua frente.
   -Essa é uma das surpresas do prefeito para vocês. A partir de hoje terão condições dignas para viver- disse o soldado.
   Suzana não sabia rezar, mas dessa vez ela juntou as duas mãos e pediu- Senhor, proteja o nosso querido prefeito de todo o mal!
  
  No terceiro andar, haviam três paredes cobertas com azulejos brancos e uma cruz, do outro lado ficava a varanda. Julieta correu para a varanda e olhou para o chão. Era muito alto. A perseguição chegava ao fim! Otávio nesse momento entrou com uma faca na mão. Os anjos sempre abençoaram a sua vida com conforto e alegria, seu corpo pertencia ás nuvens, ela estendeu os braços para os lados e jogou-se rumo à esperança de um final feliz!
   
   Quando abriu os olhos seu corpo ardia. Não conseguia se mover, ouvia barulho de tambores, o barulho das trevas, magia negra. Julieta repousava em um caixão colocado em uma cova com um vestido de noiva, a chuva incendiava ainda mais a sua dor! Nenhum anjo havia lhe salvado do grande mal.
   -Fechem o caixão- disse Otávio para os encapuzados- Estou enterrando o último sangue nobre de Joinville. Daqui a poucos segundos viveremos em paz!
  Antes de fecharem o caixão, Julieta conseguiu vislumbrar um raio riscando o céu. Isso é um sinal, pensou ela. O bem sempre vence!
  O ar no caixão foi acabando, ela ouviu um barulho, era a última chance para vencer. No fundo do seu coração Julieta sabia que esse barulho era o das baratas querendo entrar no seu repouso eterno. Aos poucos ela foi fechando os olhos. Ainda dava para ouvir o barulho dos tambores. Ou será que era só uma ilusão?
  Alguns segundos depois, baratas andavam pela sua pele morta, ela havia se esquecido de fechar a boca.
 
  Otávio entrou com vestes negras na mansão e viu Alfred com um cálice na mão sentado na sua poltrona.
  -Alfred, entregue a chave- disse Otávio com um ar de cansaço- O jogo acabou!

14 de jan. de 2013

O Vilão III


“O discurso sempre foi uma boa arma das autoridades para manterem seus súditos fiéis. Palavras fortes expressadas em um tom firme são ingredientes fundamentais para se obter o Canto do Poder.”

                                                               
                                                               
                                                                 (Anton Semenov)
   Joinville-SC                                                
  -Cidadãos de Joinville- começou o prefeito com seu discurso em frente à prefeitura- Muitos moradores sofreram com uma série de assassinatos nas últimas semanas. Um deles foi inclusive o meu querido irmão- ele fez uma breve pausa e fingiu limpar uma lágrima no rosto antes de continuar, os flashes dos jornalistas iluminavam a cada segundo a sua alma sombria- É humanamente impossível descrever como é difícil perder uma pessoa que a gente ama. A única forma dessas famílias serem minimamente recompensadas é colocando os autores desses crimes atrás das grades. A prefeitura juntamente com o governo de Santa Catarina decidiu colocar o exército de Joinville nas ruas para combater esses criminosos. A BR-101 sentido Florianópolis e Curitiba/SP está sendo monitorada por militares, assim como o Aeroporto Lauro Carneiro de Loiola- Aves negras sobrevoavam o céu nublado- Sinto-me culpado pelos acontecimentos, seria capaz de trocar a minha vida por qualquer uma das vítimas. A dor dos familiares deve ser imensa, peço desculpa para todos, usarei todas as minhas armas para trazer a paz a essa cidade. Não precisem se preocupar, tudo voltará a ser como era antes. Afinal, não são os mocinhos que sempre vencem no final?
   -PAZ- gritaram todos os militares no palanque.
   -Quero justiça- disse o prefeito.
   - JUSTIÇA- Gritaram os militares.
   -Essa guerra iremos vencer- Dessa vez todos vocês terão que me obedecer, pensou o prefeito.
    Os moradores de Joinville e os militares o aplaudiam de pé. Nesse instante uma garoa começou a cair. Otávio sorria para os flashes e acenava para o seu povo. Finalmente a cidade estava em suas mãos. Para Otávio, Maquiavel havia errado, preferia ser amado do que temido pelo povo.
    Um desses flashes congelou o sorriso de vitória do prefeito no jornal do dia seguinte.

    A lua repousava no céu. Julieta ficou atordoada quando viu um caderno de capa preta na biblioteca do segundo andar. Otávio sabia que Julieta odiava livros e por isso havia escondido um dos seus maiores segredos ali dentro. A sua namorada só pensava em agradá-lo quando decidiu organizar os livros, mas aquele caderno havia chamado a sua atenção. Dentro do caderno estava o nome de todas as vítimas dos crimes recentes na cidade riscados. Vicente Nunes, irmão de Otávio, também tinha o seu nome riscado. Julieta percebeu que o seu nome era o último da lista, nas outras páginas havia reflexões sobre o livro “O Príncipe” de Maquiavel e algumas anotações sobre a nova raça que Hitler queria implantar na Alemanha durante o seu governo.
   Logo as informações começaram a se encaixar como num quebra-cabeça- Julieta tinha certeza de que Otávio estava por trás de todos aqueles assassinatos que assombravam a cidade.
  
   Na Rua Senador Filipe Schmidt, Otávio dirigia o seu Honda Civic preto rumo à mansão quando o seu celular começou a tocar.
   -Diga- disse o Otávio para Sérgio, o subprefeito.
   - Os herdeiros da maior empresa automobilística da cidade foram fuzilados na Igreja da Paz, assim como os quatro empresários que estavam desaparecidos. O plano está funcionando conforme o combinado.
   -Leve os corpos para o barco Príncipe e jogue-os na Baía da Babitonga- ele fez o sinal da cruz com a mão- Que o Senhor os proteja.
   Agora só havia um nome para riscar do seu caderno. Depois disso, conquistaria a tão sonhada vitória.

   Julieta tentava ligar para os seus pais que estavam em Florianópolis em vão. O seu celular estava sem sinal. Ela abriu a porta do quarto e observou os dois lados do corredor. Não havia ninguém. Julieta então decidiu descer as escadas, pronta para fugir, os cristais venezianos na luminária prateada iluminavam os seus caminhos. Demônios pareciam espiá-la por todos os lados, o medo atingiu o seu coração. Ela olhou a sala e não viu nenhum sinal de Alfred ou de outro empregado. Quando abriu a porta da sala, sentiu o vento da liberdade atingir-lhe o rosto no mesmo momento em que esbarrou com Otávio, que quando a viu, se ajoelhou e perguntou:
     -Quer casar comigo?- com um lindo anel de diamante entre os dedos.

13 de jan. de 2013

O Vilão II


“Eu sempre soube que o amor é para os fracos, contudo fui amaldiçoado por esse sentimento quando eu descobri que o mundo das Trevas não sobrevive apenas de ódio e maldade.”

                                                                                                          
                                                        (René Magritte/Les Amants)
   Joinville-SC                                  
  - Você é um nobre ou um camponês? –perguntava o garoto de cabelos negros e olhos escuros para o seu irmão.
  - Sou o que você achar melhor- respondeu o irmão de cabelos dourados sorrindo sem um dos dentes da frente.
  Os dois brincavam num extenso gramado com carrinhos, bonecos, uma caixa de areia e uma bola de futebol colorida.
   - Já volto Otávio- Teodoro levantou-se, jogou os bonecos no chão e correu em direção a casa.
   Otávio voltou a sua atenção para a caixa de areia, Teodoro havia construído um lindo castelo de areia, com direito a torres de princesas aprisionadas, bandeiras que incentivavam a violência através do forte nacionalismo e muralhas que guardavam os segredos mais perversos da humanidade.
   - Eu sei que você é um nobre, Teodoro- Otávio falava baixinho- Não adianta mentir.
   Com os olhos voltados de loucura, Otávio agarrou a bola de futebol com as duas mãos em cima de sua cabeça. O sol parecia estar mais forte nesse momento, aumentando ainda mais a beleza do nobre castelo. Otávio continuava com os olhos fixos quando arremessou a bola colorida que rodopiou até colidir com uma das muralhas do castelo.
   - O que você fez?- perguntou Teodoro atrás dele com os olhos cheios de lágrimas.
   - Acabei com as suas fraquezas- respondeu Otávio. E um dia acabarei com a sua dor, pensou ele.
   Otávio abriu os olhos para o presente e contemplou a escuridão. Gostava dessa sensação, de olhar para o nada e imaginar as vidas que se escondiam nas sombras. O tempo havia passado, como um sopro de outono. Sua mãe, seu pai e seu irmão não inalavam mais a essência da vida. Suas folhas amareladas ficariam para sempre guardadas em sua memória, tristes e indefesas.
    Seus pensamentos foram interrompidos quando uma mão calorosa pousou em seu peito nu e acariciou lentamente a sua pele. Aquele calor maravilhoso foi tomando conta da sua mente até o instante em que ele foi levado mais uma vez para o mundo dos sonhos.
  
    Na sala de estar da Mansão do prefeito na Rua Conselheiro Mafra, o prefeito e sua namorada tomavam café pela manhã. Ao longo da história vários personagens considerados vilões tinham o apoio de suas esposas, mas Otávio não tinha esposa, o amor não podia despertar dentro do seu coração. Sua namorada era uma inimiga poderosa. Deixe os seus amigos próximos, e seus inimigos mais próximos.
    Poderia ser comparado com Bentinho de Dom Casmurro? Jamais. Bentinho havia amado Capitu durante muito tempo, talvez pela vida inteira. Já Otávio não sabia muito bem como lidar com o amor. Bentinho havia tentado matar o filho, mas tinha sido fraco. Otávio queria matar o irmão e havia conseguido. O vilão já sabia da história e dos aprendizados que a envolviam. Nesse momento ele olhava confuso para a nobre namorada que lia um jornal com a seguinte manchete: “ Assassinatos em série assustam os moradores de Joinville”.
   Enquanto ela lia aquelas palavras, fruto da sua obra de justiça, seus olhos pareciam estar indignados. Ela era muito egoísta para se lembrar dos pecados que seus antepassados haviam cometido. E ele prestou atenção quando seus olhares se cruzaram.
   - Essa cidade não tem mais jeito- dizia Julieta sentada do outro lado da mesa com seus cabelos longos e encaracolados, dourados como o sol e com a pele macia e branca como a neve.
   - Mais chá, madame?
   - Não. Obrigada, Alfred- Ela pousou sua xícara de chá no pires e olhou indignada em direção a Otávio- A violência cresce cada dia mais, é impossível esquecer a brutalidade no assassinato do seu irmão. Pessoas ricas estão morrendo toda semana de forma cruel, a cidade está um caos e nenhum sinal dos assassinos- Julieta respirou profundamente e pediu gentilmente- Como prefeito, você precisa tomar alguma atitude radical, amor. Estou com medo de sair na rua...
   - Não precisa se preocupar, querida. Estou tomando as providências necessárias- O prefeito limpava os lábios com o guardanapo. Logo você será a próxima, pensou ele.
  - Onde você está indo? – perguntou Julieta quando Otávio se levantou e ajeitou o paletó.
  - Para a prefeitura- respondeu ele. Um sorriso despertou de seus solitários lábios, o poder certamente o levaria rumo à vitória! Andando com passos firmes, Otávio deu um selinho em Julieta. Deveria tomar cuidado com o amor, que poderia levar todos os seus planos à destruição com um simples sopro, desmoronando assim o seu castelo de areia.

12 de jan. de 2013

O Vilão I



“Na Idade Média as pessoas que não faziam parte da nobreza, na maioria camponeses, eram considerados vilões.”

  “Os vilões foram maltratados durante anos pelas leis atribuídas pela monarquia, que visavam sustentar os caprichos e os privilégios da nobreza.”

 “ Muitos camponeses passavam fome, trabalhavam arduamente e não conseguiam dormir ouvindo as risadas da corte e o barulho dos brindes que exaltavam a desigualdade.”

“Agora era a vez dos vilões se rebelarem. O sofrimento que parecia durar quinhentos anos estava chegando ao fim. Eles acordariam com sede de justiça, sairiam da escuridão da caverna para destruir os risos das festas. Queriam enforcar a felicidade em praça pública, queriam matar o amor com uma facada no coração. Queriam o caos, queriam sangue, queriam vingança! E acima de tudo queriam viver.”

   Joinville- SC
     O relógio vitoriano marcava meia-noite. A lua cheia se apresentava esbelta no céu, esbanjando histórias de terror para assustar crianças inocentes e indefesas. Fumaça branca encantava o sono dos adultos, nuvens negras completavam o ar sombrio da linda obra de arte chamada céu.
     A maioria dos cidadãos queria esquecer toda a injustiça instalada ao longo dos anos, porém nem todos conseguiam esquecer.
     Dois homens vestidos de preto, com um anel de ônix no dedo do meio, carregavam pelo braço outro homem pela Rua Blumenau.
     Com a cabeça curvada, os pés do moço que tinha olhos negros, lábios grossos e rosto branco como a neve eram arrastados pelo asfalto. Suas mãos estavam algemadas próximas às costas. Não havia ninguém para lhe socorrer, o silêncio era o seu maior inimigo. Parecia que estava indo para a forca, o medo era manifestado através do seu suor e do fogo que ardia através da sua dor. A morte cada vez mais próxima. Podia sentir seu cheiro fétido por entre as suas narinas.
     Seus braços doíam, queria gritar, mas não tinha força. Ele sabia que só podia ser algum engano, sempre tentou ser a pessoa mais gentil e educada com todos. Assaltos em Joinville eram muito raros, dois homens o abordaram no meio da noite, eles já deviam saber o seu trajeto, primeiro bateram nele sem pedir nada, até que a dor fosse insuportável e as suas pernas não conseguissem mais firmeza para se manter em pé.
     Não conseguia raciocinar muito. A dor, psicológica e física, parecia estar chegando ao fim quando os dois homens encapuzados o jogaram de joelhos no meio de um galpão.
     Uma abertura no teto iluminava seus cabelos dourados. Seu olhar só conseguia ver ao fundo um imenso breu. Seus pensamentos perturbados chegaram ao fim quando uma voz grossa rasgou a escuridão.
     - Diga-me seu nome.
     - Teodoro- disse o prisioneiro com a sua boca ensanguentada- Teodoro de Alcantra.
     Demorou alguns segundos para a voz da escuridão voltar a se manifestar.
     -Você é um nobre ou um camponês?
     - Que brincadeira é essa? Deve estar havendo algum engano- sua voz exalava desespero.
     - Não esta havendo erro nenhum, Teodoro. Você é um dos produtos da minha justiça. Um nobre banhado de glórias à custa de sangue humano- O ódio estava tomando conta da misteriosa voz- Quero arrancar o riso dos seus lábios, quero escurecer o brilho dos seus olhos, quero apagar a chama do seu peito. Destruir seus sonhos e seus desejos. Separar a sua família da harmonia, acabar com as suas lembranças felizes, arrancar a sua alma de seu corpo. Construir um mundo em que os nobres não poderão tocar com suas mãos imundas, que ao simples toque, levam qualquer coisa a podridão.
    - Isso é loucura! Eu não fiz nada- lágrimas percorriam o seu rosto- Eu juro!- Essas últimas palavras foram pronunciadas lentamente, ele suplicava por compreensão.
    -Não adianta mentir- disse a voz séria- Você vai morrer.
    Os próximos movimentos foram realizados na velocidade da luz. Batiam com grossos pedaços de madeira em sua cabeça, com força e raiva que aumentavam a cada golpe. Seu mundo foi ficando pequeno. Aos poucos a luz no teto foi sumindo, sua cabeça ia explodir quando um vento gelado levou a sua alma e a sua dor.

Obs: Essa é a primeira série do blog e foi dividida em cinco partes. Se quiserem saber o final dessa história, aguardem os próximos capítulos!