"Quando os últimos raios de sol sumirem do horizonte, sentaremos a luz da noite na sala de jantar iluminados por velas presas ao candelabro. Sorrio entre sombras e luzes diante da carne morta. Ela fecha os olhos e entrelaça as mãos, pronta para começar a reza. De repente um vento invade a janela e apaga chama por chama. No escuro, escuto os sussurros."
" Estou farto de suas promessas vazias, de seus pensamentos intolerantes, de suas mentiras. Não consigo mais aguentar seu peso, seus laços familiares, seus beijos, seu amor."
" Atravessei a janela do seu quarto durante a madrugada. Pego de surpresa, vejo você dormir na cama docemente. Sob a luz da lua, tenho a certeza de que nunca havia visto tamanha beleza. Os cabelos encaracolados e dourados como o sol repousam levemente sobre os ombros nus.
Chego mais perto e beijo seus lábios, frios como uma pedra.
Abro sua blusa e apalpo seus seios fartos, parados.
Acaricio seu cabelo, passo a mão pelo seu corpo, sem restrições.
Depois volto à janela. Nunca tinha visto algo tão belo, tão gracioso, tão natural, tão calado. Nunca tinha visto algo tão morto."
" O sabor do tempo despeja o gosto amargo por meus lábios rachados. Sei que a chama da vida aos poucos se apagou, como numa dança antiga repleta de holofotes.
Quando abro os olhos, vejo o futuro em seu mais íntimo carmesim. Os olhos de uma garota, que sorri e chora, por último, me beija.
Passa a hora, estamos nus. Transando sobre as folhas secas do outono, beijos quentes no inverno, peles nuas durante o verão.
-Eu posso te preencher- falo baixinho parecendo um sussurro.
Nossas peças se encaixam como num quebra-cabeça, não quero vencê-la, não posso vencer.
Pra frente e pra trás, parece que estamos num barco em meio a tempestade, sofrendo com o vai e vem das ondas do mar.
De repente chega o clímax, não vou mais suportar, o desejo chega a fase extrema.
Depois chega o vazio.
A razão.
A vergonha.
Sinto que estou perdido.
Sinto que estou só."
20 de set. de 2014
Natureza Bucólica
Ao sabor do vento
Ciprestes encantados
Ventos de correntezas
Correm, correm
Repletos de incertezas.
Beijo verde outonal
Cavalo branco distante
Lábio refletido no espelho
Melodia gritante.
Folhas do amanhã
Chave do meu amor
Sangra com a rosa
Derramando minha dor.
Um milhão de sóis
Girando no universo
Entre planetas desabitados
Paralelo mundo inverso!
Lindo sol apagado
Desprovido de esperança
Sorria domingo à noite
Ajude a velha criança.
Brilhe durante a sombra
Sonhe durante o dia
Natureza, natureza
Viva, vida!
Ciprestes encantados
Ventos de correntezas
Correm, correm
Repletos de incertezas.
Beijo verde outonal
Cavalo branco distante
Lábio refletido no espelho
Melodia gritante.
Folhas do amanhã
Chave do meu amor
Sangra com a rosa
Derramando minha dor.
Um milhão de sóis
Girando no universo
Entre planetas desabitados
Paralelo mundo inverso!
Lindo sol apagado
Desprovido de esperança
Sorria domingo à noite
Ajude a velha criança.
Brilhe durante a sombra
Sonhe durante o dia
Natureza, natureza
Viva, vida!
16 de set. de 2014
Mademoiselle Daisy
Imagem: Carey Mulligan no filme "O Grande Gatsby"
Sob a luz do luar, o cavalheiro Lorde Harrison tirou um
disco empoeirado do LP e colocou no toca-discos, abaixou a agulha e Wake Up
Alone de Amy Winehouse ecoou pelo quarto elegante de bilhões de metros
quadrados.
Seguindo o ritmo da
música, seus pés começaram a se movimentar como numa dança a dois.
Podia sentir o
cheiro de Madame Daisy naquele primeiro encontro. Os dois sobre a ponte de
Edimburgo em meio à lua cheia. Estavam tão próximos, estavam tão distantes.
Vislumbrava seu sorriso, sua graça. Os olhos transmitiam mil e uma verdades.
Eram apaixonantes, pensou ele.
- Está frio- sussurrou ela aquele dia, diante
da magia das cidades escocesas.
Lorde Harrison
agarrou sua luva de pelica branca e levou-a ao rosto, junto com o anel de
brilhante mais irradiante que o luar.
- Pegue minha
jaqueta- ele tirou-a rapidamente e colocou sobre os ombros nus de Mademoiselle
Daisy.
Seus olhares se
encontraram como dezenas de bolas de fogo que enfeitiçavam o céu. Os olhos de
ambos eram escuros. Os dela como uma pedra, os dele como carvão.
- Obrigada.
Depois tudo se foi
como num passe de mágica. A carruagem de sua família chegou para tirar-lhe de
suas garras, de seu amor, até aquele dia.
Mensagens foram
trocadas ao longo de toda a semana. Poesias, elogios e, sobretudo saudade,
contornavam cada palavra escrita.
A música estava
quase no fim, levando o jovem Harrison ao presente. Diante do espelho observava
atentamente quais atributos conseguiriam conquistar Lady Daisy. Seriam seus
olhos bondosos? Seu sorriso sapeca ou seus traços hereditários?
Foi ao closet e
pegou seu macacão cor mostarda, ele sempre estava reservado para as melhores
ocasiões. Junto com a gravata-borboleta azul-escuro.
Pontualmente às
vinte e uma horas, Lorde Harrison desceu pelas escadas de mármore até a sala de
jantar, iluminada a luz de velas. O garçom já estava devidamente posicionado.
Os ponteiros do relógio central do século XIX não paravam de girar. Voltas e
mais voltas, de repente se sentiu tonto, perdeu a conta. Até que no meio de
certo devaneio com seus piores pesadelos, a campainha soou alarmante. Em vez de
um, foram três toques apressados. Ininterruptos.
Lorde Harrison
prestou atenção à posição dos ponteiros. Vinte e uma e vinte minutos.
Quando ela entrou,
os mil e duzentos segundos de atraso se perderam em meio à tamanha confusão.
Teve certeza que era impossível odiá-la.
Um chapéu amarelo, com uma margarida presa ao
centro, cobria-lhe os cabelos dourados que caíam até o queixo. Um vestido preto
e brilhante revestia o corpo magro e esguio. A sua elegância a cada passo, seu
olhar tão meigo, suas palavras doces. Estava praticamente hipnotizado enquanto
ela se aproximava.
Meu Deus. Ele se
levantou e seu lábio encontrou o rosto macio de Miss Daisy.
- Bem-vinda –
arrastou uma cadeira para que ela se senta-se e depois empurrou- Não sabe a
imensa satisfação que eu tenho em recebê-la.
- Primeiro gostaria
de me desculpar pelo atraso- pronunciou em meio a um discreto sorriso- Depois
gostaria de agradecer o carinho. Parece tudo tão levemente organizado e
preciso. Deslumbrante como as três luas que reinam no céu. Não sei se mereço
tamanha cerimônia.
- Não deixe de
apreciar o valor que tem.
- Seria impossível,
Lorde Harrison. Se eu apreciasse não seria digna de superação. Apenas de
reparação.
- Não consigo ver
como um anjo pode ser mais perfeito.
- Um anjo sem asas-
completou Lady Daisy- Cuidado! Posso ser um anjo caído- e arregalou os olhos.
Os dois caíram na
gargalhada dos ricos. Nada espalhafatosa. Fina e elegante.
O garçom começou a
colocar vinho na taça de Madeimoselle Daisy. Quando chegou a metade ela disse:
- Obrigada. Não
quero beber muito.
A taça de Harrison
ficou cheia, mas não até a boca.
Os dois brindaram.
Nada específico, já tinham muita coisa na vida. O simples fato de brindar era o
mais importante. O contato das taças, o tim-tim.
Um gole foi o
suficiente para esquentar a garganta. Daisy girava a taça em sentido circular e
depois cheirava o vinho, sentia o seu aroma.
- Sinto o odor da
vida fácil. De sua grandeza, essência.
- Vida fácil. Isso
existe?- sussurrou para ela com a mão próxima a dela, seus olhos pareciam
hipnotizados.
- Quem sabe? –
suspirou.
Os dedos dele
vagarosamente foram de encontro à mão de Mademoiselle Daisy, atraídos como um
imã, suas peles se tocaram e ele pode sentir o calor que emanava daquele tecido
fino, que escondia as veias que bombeavam o sangue de seu delicado coração.
Enlouquecido, ele segurou a sua mão com força.
- Preciso te fazer
uma pergunta.
Os olhos de Daisy
brilharam.
- Sim! Diga-
respondeu entusiasmada.
Uma voz em seu
interior dizia: “Não coloque tudo a perder. Seu idiota. Mais uma vez enfiando
os pés pelas mãos. Calma, tudo vai dar certo”
- Você gosta de
Chicken Pie? – vomitou as palavras da forma mais rápida possível. Acabou
notando certo desapontamento. Será que coloquei tudo a perder? Pensou- É que
tivemos um probleminha com o outro prato. A nossa planta carnívora resolveu
fazer um lanchinho algumas horas antes de você chegar.
- Gosto sim. Não
tem o menor problema.
O garçom colocou os pratos na mesa.
- Parece estar saboroso-
disse Daisy com água na boca.
- Prove! Para
comprovar a sua incerteza- seus pés se tocaram por baixo da mesa.
- Hm. Sua planta
carnívora merece muitos agradecimentos- disse enquanto limpava os lábios no
guardanapo- Está uma delícia.
Os segundos passaram
com mística em pleno inverno. As risadas ecoavam, os olhares brilhavam, o
assunto brotava de todos os cantos, prontos para serem semeados com um pequeno
gole de vinho. Algumas chamas se apagaram quando Lorde Harrison teve um grande
ideia após o jantar. Levou Mistress Daisy até o salão de música.
Com o teto aberto
para o mundo. Os dois podiam apreciar as estrelas da noite enquanto dançavam
colados. Bolas brancas flutuavam pelo cômodo como num rico sonho. O pianista,
funcionário de Lorde Harrison, tocava músicas lentas e apaixonantes.
Próximos. O rosto de
Mademoiselle Daisy encostava-se ao pescoço de Harrison, que de vez em quando se
curvava para que os dois ficassem do mesmo tamanho.
- E agora? O que
você espera? – perguntou ele baixinho.
- Do futuro?
- Não. Do presente.
- Não tenho tempo
para pensar- disse ela entre risos- Quem sabe ele não me surpreenda.
Sem querer Lorde
Harrison pisou no pé da jovem dama.
- Opa. Desculpa.
Isso não foi programado.
- Nem a noite bela
e perfeita? Parecia detalhadamente planejada.
- Não com tamanha
perfeição- murmurrou em seu ouvido.
No meio da dança, girou o corpo de Daisy. Os
dois pareciam distantes por uma fração de segundos. Depois seu braço a puxou de
volta para seu calor.
Primeiro veio à
permissão com o olhar. Depois levemente veio a coragem, em seguida o beijo.
Os lábios se
esbarraram e se abriram. Fogos de artifícios pintaram o céu das mais variadas
cores. Os corações batiam com maior pressa, anseio. Sentiam-se frágeis,
vulneráveis. O tempo era eterno, dançava sem desperdício, sem razão, sem
pressa. Unitárias emoções transbordavam pelos pensamentos de fumaça prateada.
Nessas horas, não consigo fazer uma rima que remete tamanha realização. O
reflexo da lagoa prestes a ser congelada ou o ar rarefeito da colina mais alta
do mundo ficavam apenas no cartão postal. O mais importante era fotografar o
salão, aquele átimo inesquecível, pronto para se acabar.
- Então- disse ele
com lábios manchados de batom- O que diria do passado?
- Não consigo pensar
no passado sem antes pensar no futuro- E beijou-lhe uma, duas, três, quatro
vezes. Beijos eram desperdiçados pela ampulheta do tempo. Cada um menos
especial que o outro. O primeiro imbatível e perfeito.
Sabe, não ligarei se
é o primeiro ou último, desde que seja com Mademoiselle Daisy, pensou Lorde
Harrison.
- Consegue pensar
num futuro ainda mais incrível? – perguntou madame Daisy.
Lorde Harrison
fechou os olhos.
- Imagino um casal
de mãos dadas. Fazendo confissões, próximos a lareira num dia frio, com os
corpos cobertos durante a noite. Os músculos preparados para acalentarem o amor
da madrugada. E um dia se passou, e outro e mais outro como as folhas do outono
que caíam da macieira. Corriam pelo parque esverdeado, pelo sol do verão. E de
repente o fruto do amor, o primeiro filho, correndo pelas escadas, fazendo
bagunça. E mesmo mediante o caos, o casal continuava feliz, porque não seria
uma mera briga ou um pequeno obstáculo que eles não iriam superar. Depois veio
o segundo, o terceiro o quarto filho. Os problemas cresciam de forma
exponencial, contudo a noite infindável permanecia repleta de amor. Envelheceram juntos e bem, saudáveis de amor.
E quando ela perguntou para o marido, beirando os setenta anos, o que havia achado
do passado, ele respondeu com um leve suspiro: No passado podia imaginar um
futuro belo, mas não com tamanha perfeição. A vida foi gentil, e o passado
rejuvenescedor. O futuro, quatro sementes e mais a brisa gelada de mais uma
manhã.
- Nesse futuro
cabem duas pessoas de carne e osso?
Lorde Harrison
abriu os olhos e despejou seu charme.
- Só se for nós
dois. Nenhuma pessoa pode escrever uma história de outra. Nessa elipse que
habitamos, falta um pouco de coragem e de imaginação.
Nesse instante, um
pernilongo rosa, que rondava pelo salão, morde o pescoço da Madeimoselle e sai voando em busca de
destruir outro amor. Aquela mordida corroí as estruturas de seu pensamento. Uma
náusea, tontura, invade seu cérebro. O mundo gira e gira pronto para desabar.
- Sinto que estou
perdida. Estou tonta- disse Daisy em meio a uma nota triste do piano.
- Volte para o
presente. Não vale a pena viver o futuro, não por enquanto- contínua Lorde Harrison a filosofar- O tempo é capaz de
trilhar vários labirintos, diversas ilusões para te esconder o bem mais
precioso. O simples fato de viver o presente momento.
Daisy, desesperada, se virou e
arrastou o vestido pelo piso do salão, preto e branco, como um tabuleiro de
xadrez. Andou com pressa, abriu as imensas portas de vidro e encontrou alguns
coelhos brancos apressados, cigarras fumando e urubus dourados. Era dia. Aviões
de guerra invadiam o céu azul bebê. Parou para descansar numa rocha próxima a
lagoa. Sua respiração começou a fraquejar, se sentia frágil. Olhou para o sol,
desmanchou-se em ilusão.
“Querida
Mademoiselle Daisy,
De todos os contos de fadas que existem, a
maioria beira ao inevitável, incompreensível.
Nessa manhã, encontrei seu vestido boiando
pelo lago próximo de casa. Logo, a morte invadiu a minha mente. Não sei se
nesse exato instante, seu corpo se encontra no espaço, sem oxigênio, sem vida,
ou se virou o pólen que embeleza as flores das belas manhãs.
Só sei de uma coisa, estou sozinho.
Acordei sozinho em minha cama. Sua pressa, seu medo me assustou. Passado,
presente e futuro pareciam entrelaçados. Fui pego de surpresa, o sopro do vento
devastou meu corpo jovem e me vi com setenta anos, como na história daquele
casal que te contei.
Dessa vez, não havia ninguém com quem eu
pudesse compartilhar o simples ato de existir. Nem sei se te beijei se senti seu
corpo colado ao meu.
Espero que meus unicórnios tenham te levado
para um lugar seguro. Um lugar que não existe limites, muito menos o maldito
tempo, pronto para nos enterrar em terra suja. Sepultar o nosso amor.
Do seu,
Lorde Harrison.
1 de ago. de 2014
A Caixa
I
“- Por
favor, apague a luz- disse a esposa jovialmente.
O marido a
observou por três segundos antes de acionar a escuridão.”
Realmente não
era uma das tardes mais agradáveis em Jumandia, a cidade conheceu um dos dias
mais frios dos últimos dez anos, e para piorar a situação, chovia fortemente e
ininterruptamente.
Os moradores se
irritavam facilmente com o clima. Para alguns, o principal motivo era a água
que entrava no sapato, sandália ou qualquer tipo de nome dado para um calçado,
encharcando as meias. Ninguém conseguia se prevenir da chuva na parte inferior
da calça jeans. Os guarda-chuvas entraram na moda instantaneamente, sem a menor
necessidade de um glamoroso desfile.
Entre uma
multidão de pessoas que corria por diversas direções na rua mais movimentada da
cidade, destacava-se um guarda-chuva preto carregado por Gustavo Lemarck.
Os ponteiros da
torre do relógio, ao final da rua, registravam quinze horas quando Gustavo, com
sua camisa de lã preta e sua calça jeans molhada, atravessava a livraria “Sopa
de Letras”. Em uma das mãos ele segurava uma caixa apoiada ao corpo, com a
outra o tradicional guarda-chuva. Por dez segundos ele parou e observou a
vitrine da livraria, depois continuou a sua caminhada até a primeira esquina, onde
esbarrou em uma garota com um guarda-chuva rosa.
- Você está
louco- Esbravejou ela enquanto pegava as pastas que havia deixado cair no chão.
Sem parar para
ajudá-la, ele virou e entrou na travessa da rua principal da cidade. Com a
caixa ainda grudada ao corpo, um beco apareceu diante de seus olhos. Naquela
rua não havia nenhum comércio, apenas paredes de tijolos e poucas pessoas.
Dessa vez, o
vento ficou mais intenso e o guarda-chuva começou a perder a sua utilidade. Um
clarão repentino anunciou a chegada dos raios. Gustavo parou assustado. Água
caía generosamente do céu, luz ia e vinha como as ondas do mar.
II
“ O barulho da
chuva se parece com uma canção de ninar.”
Gustavo fechou
a porta com a roupa toda molhada e logo acendeu a luz da sala.
O cômodo
simples dispunha de uma mesa central e alguns eletrodomésticos. O barulho da
chuva continuava a incomodá-lo. Ele colocou a caixa em cima da mesa e ficou
contemplando-a por alguns instantes.
A caixa tinha
forma retangular, cerca de sete centímetros de base e quatro centímetros de
altura. Suas cores vermelho, amarelo e preto eram distribuídas de forma
horizontal na parte superior da caixa. O resto aderia aos tons de marrom.
Os olhos de
Gustavo ficaram surpresos quando outra pessoa entrou na sala.
- Você trouxe o que eu lhe pedi? – perguntou
sua esposa.
Gotas de chuva
batiam na janela, tornando embaraçosa a visão da rua.
Gustavo
Lemarck se aproximou da esposa, coçou a cabeça e a tocou no braço antes de
responder:
- Claro, meu
amor. Nem uma chuva de granizo seria capaz de me impedir.
Um trovão
cortou o silêncio.
A esposa tirou,
gentilmente, a mão do marido de seu braço e encaminhou-se lentamente até a
caixa, que repousava de forma triunfal no centro da mesa.
“Ela é tão
bonita”, pensou fascinada. “Tem cheiro de terra molhada”.
Goteiras
começaram a se formar no teto rachado.
Realizada, a
esposa sorriu e com suas mãos delicadas, abriu a caixa.
III
Olhos de
ressaca admiravam o conteúdo da caixa, sua íris verde brilhava fortemente como
um parque em dias ensolarados.
Entre as cores
da realidade e da imaginação, ela podia sentir o sol aquecendo-lhe a pele lisa
e branca, o cheiro das flores silvestres perfumarem o ambiente hostil. A Terra
parecia em constante movimento, girando e girando em torno de si mesma ou em
torno do sol.
Parecia futuro,
mas era passado. Concretizava esperança e ao mesmo tempo angústia.
Estranhos
perdidos no tempo. Na chuva, na neve ou no sol. Nos segundos ou nos dias
outonais que o vento devastou.
As unhas da
esposa, Isabela Lemarck, tocaram o conteúdo da caixa carinhosamente.
- Estão
congelados- lamentou.
Gustavo tirou
os cabelos negros de perto dos olhos antes de encostar-se a sua amada e
abraçar-lhe a cintura.
- Senhor e
senhora Lemarck- sussurrou em seu ouvido- Lembra dessas palavras?
- Como posso
esquecer- suspirou ela enquanto fechava os olhos- Todo dia me recordo daqueles
votos, da importância daquele momento... Como se fosse o início de tudo e não o
seu fim.
- Não me diga
que perdeu a fé – suplicou Gustavo, prendendo-a mais forte de encontro ao seu
corpo.
- Não perdi
somente a fé- declarou- Mas a vontade de viver- uma lágrima escorreu do seu
rosto.
Gustavo aos
poucos se afastou.
Isabela
observou as fotos que tinham dentro da caixa. Sorrisos mostravam o ápice da
realização. O pior dos finais felizes é que suas continuações sempre são
assombradas por decepções e incertezas, visto que nenhuma felicidade se
perpetuará em vossos corações.
Suas mãos pegaram
uma caixa de fósforos no bolso.
Sem piedade,
Isabela ateou fogo a linda caixa. Labaredas engoliram as fotos raivosamente
transformando-as em cinzas.
E tudo começou
em gelo e terminou em fogo.
Chuva escorria
pela veneziana como se o universo chorasse pelo tempo perdido.
IV
Isabela já
estava cama, pronta para dormir.
O marido apagou
o fogo com a água abundante em Jumandia. Daquelas fotos, não restava o menor
vestígio de quem ele realmente fora um dia.
Devastado, o
futuro parecia aterrorizante.
Gustavo não
sabia muito bem como agir, de repente apareceu na soleira da porta do quarto.
- O que fizemos?
– perguntou angustiado.
- Enterramos uma
história para viver outra- respondeu Isabela de forma natural.
- E como nós
ficamos?
- Prontos para
renascer.
- Como se nada
tivesse acontecido?
- Como se tudo
tivesse acontecido- pronunciou lentamente.
Gustavo Lemarck
começou a andar.
- Por favor, apague a luz- disse a esposa
jovialmente.
O marido a
observou por três segundos antes de acionar a escuridão.
8 de jul. de 2014
Monstro
Por todos os lados, todos os sentidos.
Um guarda-roupa que não se abre, mas faz barulho. Alguém que não se vê, mas se sente.
Realmente não sei, ou talvez finjo não saber o teor assustador de sua essência.
Numa das casas que desfruto de bela solidão, toco meu violão tranquilo, apreciando a paisagem bucólica. Com o chapéu, cobrindo meus cabelos castanhos encaracolados como uma cascata, faz tempo que não o vejo subir o vilarejo.
Canto à noite inteira "Frutos dos Velhos Tempos" até que se esgote a cerveja.
E como sempre, depois das loucuras e dos devaneios sinto seu frio invadir a porta e seu barulho silencioso subir a escada.
Eu sinto o seu sopro invadir o meu quarto e sua sombra se espalhar pelo brilho dos meus olhos, fazendo-me chorar.
Mãos esqueléticas vão de encontro ao meu corpo despejar maledicência. Nesse instante, cuidadosamente, o monstro fecha a janela, e enterra a paisagem nas terras de minhas lembranças esperançosas.
Tento falar, contudo não posso.
Tenho medo de suas vestes escuras, de seu beijo outonal.
De repente, o violão começa a tocar sozinho, uma nota esquarteja o mutismo e por incrível que pareça, me remete a paz e grito.
A madruga desperta juntamente com os ponteiros do relógio que parecem engasgar.
Não há tempo para mais nada.
O monstro me olha com seus olhos escuros como o fundo de um poço e eu tento discordar, com lágrimas percorrendo meus lábios. O pânico me toma conta enquanto suas garras rasgam minha pele. E eu penso "não é a morte?" e ele disse:
- Futuro.
O peito aperta e o coração parece explodir.
O frio eterno parece a centímetros de se aproximar, suas presas cravam meu pescoço deixando o violão cair no chão.
Sangue quente escorre das veias pronto para lhe saciar.
Solto gritos de misericórdia. Rasgo a agonia com dor extrema.
Perco os movimentos com seu abraço esmagador.
Passos ressoam.
O monstro fecha a porta.
Um guarda-roupa que não se abre, mas faz barulho. Alguém que não se vê, mas se sente.
Realmente não sei, ou talvez finjo não saber o teor assustador de sua essência.
Numa das casas que desfruto de bela solidão, toco meu violão tranquilo, apreciando a paisagem bucólica. Com o chapéu, cobrindo meus cabelos castanhos encaracolados como uma cascata, faz tempo que não o vejo subir o vilarejo.
Canto à noite inteira "Frutos dos Velhos Tempos" até que se esgote a cerveja.
E como sempre, depois das loucuras e dos devaneios sinto seu frio invadir a porta e seu barulho silencioso subir a escada.
Eu sinto o seu sopro invadir o meu quarto e sua sombra se espalhar pelo brilho dos meus olhos, fazendo-me chorar.
Mãos esqueléticas vão de encontro ao meu corpo despejar maledicência. Nesse instante, cuidadosamente, o monstro fecha a janela, e enterra a paisagem nas terras de minhas lembranças esperançosas.
Tento falar, contudo não posso.
Tenho medo de suas vestes escuras, de seu beijo outonal.
De repente, o violão começa a tocar sozinho, uma nota esquarteja o mutismo e por incrível que pareça, me remete a paz e grito.
A madruga desperta juntamente com os ponteiros do relógio que parecem engasgar.
Não há tempo para mais nada.
O monstro me olha com seus olhos escuros como o fundo de um poço e eu tento discordar, com lágrimas percorrendo meus lábios. O pânico me toma conta enquanto suas garras rasgam minha pele. E eu penso "não é a morte?" e ele disse:
- Futuro.
O peito aperta e o coração parece explodir.
O frio eterno parece a centímetros de se aproximar, suas presas cravam meu pescoço deixando o violão cair no chão.
Sangue quente escorre das veias pronto para lhe saciar.
Solto gritos de misericórdia. Rasgo a agonia com dor extrema.
Perco os movimentos com seu abraço esmagador.
Passos ressoam.
O monstro fecha a porta.
20 de jun. de 2014
Voltarei das Cinzas Para te Dizer
Não
esquecerei daquele grito de alegria
Nem
daquele lindo raio de luz
Sorrisos
se perderam no passado
Junto com belos espetáculos
Junto com histórias de amor
Nem sempre busco felicidade
Tampouco
a aurora do esplendor
Quero
grito de tristeza, Quero sonhar com o impossível
E
naquele belo caminho de flores
Morrer
com o cheiro daquilo
Sentir
o azul me encobrindo
Igual
o dia da imensidão
Em
que o brilho dos meus olhos estrelar
Trouxe
paz a vida e diversão
Sem
aqueles receios de textos e palavras
Sei
que o mundo não se importa com isso
Não
consigo entender de grandeza
Já
que cada pessoa habita um pequeno ciclo
E
para aquelas idealizações
Puras
como diamante
Solto
uma lágrima triste e bebo o pecado em sabores.
Eu
voltarei das cinzas para te dizer um nada e tudo muito sincero.
Chega
de normas, leis, crimes
Se
tudo o que me espera é um acolhimento gelado
Beirando
a lagoa da ilusão
Sozinho,
irei embora do mundo
Sem
entender todas essas palavras
Que
passaram com tanta rapidez pela vida
E
pra Muitos não queria dizer nada!