29 de jan. de 2015

Mensagens 4


“ Caminhos paralelos, inversos, cruzados, perdidos. Entre eles havia um ponto em comum, pessoas. Elas andavam pelas ruas perdidas, sem tempo e cegas.
   No caminho havia arte, beleza, paisagem, vida. Porém, eram simplesmente esnobados pelo ruído dos celulares, pelos pensamentos perturbadores, pelo medo. Na bolsa carregavam mil e uma utilidades, dentro do peito apenas um vazio.”

 
“ -Estamos sem água- gritou o chapeleiro maluco em outrora.
   - Estamos sem água- gritou o chapeleiro maluco no país das maravilhas.
    Nem os loucos ouviram.
    Dois anos atrás o chapeleiro gritou:
    - Estamos sem água- e todos riram.
    Desesperado, em uma das festas da corte ele disse:
    - Heráclito disse que uma pessoa não pode se banhar duas vezes no mesmo rio- disse entre soluços depois de tantas xícaras de chá- Mas, sem água, como iremos nos banhar?
     - Não precisa se preocupar- disse o coelho branco- Continuamos os mesmos desde a pré-história. Coloque um galão de água no meio do deserto com três pessoas e veja se não teremos sangue após algum tempo.
     Bêbado, o Chapeleiro sorriu e apontou o dedo para o coelho branco.
     - Que forma pess... – um arroto – pessimista de ver as coisas. Você está querendo se desculpar de toda essa situação, colocando a culpa na ignorância da humanidade? E a solução? Não pensaremos em nenhuma?
     - Desculpa- o coelho olhou para o relógio- Estou atrasado.
     Começou a chover.”

 
 “ Eu sei...
   Devo confessar...
   Vi brilho nos olhos, felicidade, alegria...
    Parecia que você era a pessoa mais importante do mundo...
    Por alguns minutos mágicos...
    Queria falar com você...
    E simplesmente sugar todos esses sentimentos...
    Jogar-te num quarto escuro, com músicas tristes e fotos aterrorizantes...
    Acariciar os seus cabelos...
    Te por pra dormir.”

 
 “ Leia atenciosamente cada palavra, cada vírgula colocada no exato lugar. Não ignore os pontos, muito menos minhas mensagens escondidas, minha ironia. Cuidado com minhas exclamações! Não repare nas perguntas indiscretas. Nos pontos de interrogação? Não, nas palavras mesmo. Fique atento a acentuação. Estou criando uma história onde você. Isso, você mesmo que está lendo! É um personagem que está lendo no computador, despreocupadamente e com um tempinho de sobra sobre um novato leitor. Talvez um potencial leitor. Tanto faz. E de repente, ele entra no seu cérebro, fala na sua mente. E nós conversamos aí dentro da sua cabeça. Não... você não está louco. Enquanto houver a arte da escrita, podemos falar com os mortos, viajar sem sair do lugar, conhecer personagens loucos e o mais delicioso de tudo... PIRAR!"

27 de jan. de 2015

Tão Forte, Tão Frágil

  - Nem sei se estou bem – diz a atendente de um supermercado que acaba de brigar com o marido.
  Seus olhos vazios encontram os da compradora, uma senhora idosa na casa dos setenta anos.
  - Como disse? – perguntou à senhora.
  - CPF na nota? – pergunta a atendente, com um sorriso forçado estampado na cara.
  E assim, os minutos passam.
  - Bom dia...
  - Boa tarde...
  - Boa noite...
  Os ponteiros avançam lentamente no sentido da liberdade extrema. Até que eles a liberam de seu uniforme suado, dos seus dedos calejados, da sua falta de humor, da sua moderada situação.
   Chegou o momento de respirar o ar puro do lado de fora... Sentir teu cheiro, exaltar seu frio ou calor; mergulhar em seus desejos profundos até a mais infinita desilusão. O lado de fora nunca pareceu tão aconchegante.
   Ruas sinuosas e pessoas sem rostos... Beco sem saída.
   Vontade de fazer o errado, de explodir o mundo em mil pedaços... Sinal de justiça/injustiça.
    Ela queria deitar, queria dormir... Mas não podia.
    Estava cansada, estava exausta... Mas funcionava.
    Quando abriu a porta de casa, sentiu o sapato apertar as pontas dos pés.
    O marido, um cara gordo e baixo, começou a anunciar mais um milhão de problemas. Era o que faltava?
    “As interligações, os esforços, não valiam de nada? O que é isso? Não posso ser o fantoche da história? A atriz do cinema? Não posso me calar? Não posso nem ao menos... EXPLODIR?”
   - Você está me ouvindo? – pergunta o marido.
   “Estou cansada, estou cheia.”
   - Estou sim, pode falar querido.
   - Estamos precisando de uma faxineira, essa casa está uma bagunça.
   Então, porque você simplesmente não tira essa bunda nojenta da cadeira e me ajuda a limpar?
   - Eu vou arrumar, amor. Acabei de chegar.
   - Você sempre diz isso. Não está dando. Você não percebe que não está dando conta das suas funções?
   “Sou um objeto perdendo a data da validade. Não presto pra nada, quem sabe enferrujada?”
    As reclamações passam, sempre passam. À noite ele a procura na cama, com a mão boba debaixo do cobertor, percorre os dedos pelo lençol até encontrar a fonte pra saciar os seus desejos.
    Ela pensa em não deixar, em gritar. O coração bate mais forte, num turbilhão de emoções conflituosas. De repente falta ar. Nervosa, ela fica paralisada.
   O marido, fedido e suado como um porco a alcança, no final... monta.
    Ela olha para o céu, e encontra o rosto endiabrado do seu marido.
    Ela olha para as estrelas, e encontra um teto rachado.
    Ela olha para o escuro, e enxerga o relógio.
    Era hora de ser mulher, de trabalhar, de cuidar da casa, do marido. Acordou cedo, pronta para servir.